1. Aventuras de uma Sereia

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Olhando para todos os lados, a sereia nadou, sorrateira, pela cidade de Atlântida. Se esgueirava pelas algas, que cresciam livres entre as casas, eram a camuflagem perfeita e as únicas testemunhas seriam os caranguejos e alguns peixes que viviam próximos à areia. No entanto, como não a consideravam uma ameaça, mal prestavam atenção à sua passagem.

A maioria dos caminhos até suas aventuras era fácil, com os corais e algas para se esconder. Havia apenas um trecho que lhe proporcionava um problema. A sereia olhou para o campo aberto a sua frente, apenas com algumas casas feitas de pedra aqui e ali e suspirou, desejando poder plantar algas ali para poder continuar se escondendo.

Colou as costas na parede de pedras e ouviu, os sons de dentro da casa: a velha sereia conversava com o marido, sobre algo corriqueiro do seu dia.

— Acredita que um peixe-leão queria morar no nosso quintal? — O tom da senhora era de indignação e a princesa conseguia imaginá-la nadando de um lado para o outro. — Claro que eu disse "não", a última coisa que minha cauda precisa é parar no hospital por causa do veneno!

Uma sonora gargalhada masculina se seguiu.

— Fez bem, vida — disse o marido.

Assim, a sereia sonhava com o dia que venceria seu medo e emergiria. Com o dia que conheceria os humanos e resolveria os problemas que eles causavam. Ela não conseguia imaginar um povo cruel a ponto de deixar as impurezas dominarem o mar, fazendo todas as criaturas sofrerem. Eles, a jovem acreditava, não deviam saber o mal que causavam.

Assim, ninguém mais perderia a mãe.

Mesmo sabendo da a dor que causaria ao pai, não podia evitar: o mar a chamava para desbravá-lo. Não podia ignorá-lo, não quando estava recheado de tesouros humanos. Precisava apenas sair da proteção do rei para alcançá-los.

Deu uma última olhada, para garantir que ninguém a seguiu ou notou sua presença. Sorriu, deixando a animação percorrer o corpo ao se aproximar da barreira, uma membrana quase translúcida que poderia, facilmente, passar despercebida por criaturas desatentas.

Aquela era a defesa conjurada pelo pai para proteger seu povo, após perder o amor de sua vida.

Ultrapassou a barreira, fazendo uma careta ao sentir o aumento de temperatura. Segurou firme a bolsa de algas trançadas, antes de rodopiar com a excitação de aventurar-se pelas águas desprotegidas. Era um desperdício ter um mar de inimaginável imensidão, e estar presa àquela pequena bolha mágica.

Ansiava por muito mais.

Desejava conhecer outros oceanos além do Atlântico e sempre se perguntava quais tesouros maravilhosos eles guardavam em suas águas profundas. Infelizmente, aquele era um desejo inalcançável. Não se afastaria tanto de casa, não traria tal sofrimento para o pai.

A princesa foi tirada dos seus pensamentos ao ver uma grande tartaruga prestes a abocanhar uma falsa água-viva, que na verdade era uma coisa esbranquiçada, de textura estranha para Darya. Sem pensar duas vezes, nadou em disparada até o animal, empurrando-a para longe da impureza.

— Não é uma água viva, isso vai te matar! — Usando seu dom de se comunicar com seres aquáticos, a sereia avisou, num tom firme, quando a tartaruga voltou a se aproximar daquele veneno.

Os dois grandes olhos negros a encararam por alguns segundos, demorando a compreender o peso das palavras. Ela então se aproximou, abaixando a cabeça em uma reverência agradecida antes de partir.

A sereia encarou a impureza com nojo. Odiava ver tantos animais vindo para a cidade em busca de ajuda, por terem ingerido ou estarem com aqueles detritos enrolados em seus corpos. Animais lutavam por um espaço em Atlântida para fugir daquilo e o rei era poderoso, mas não conseguia proteger a todos.

O Canto da Sereia (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora