Edimburgo
Março, 2000Lucius Howthorn foi um dos mais renomados doutores da Escócia. Graduado com honra como um dos melhores alunos de Oxford e conhecido em todo o Reino Unido por ter sido solicitado pela própria Princesa de Gales no passado. Teve uma vida sempre muito bem regrada ao pé da letra, extremamente organizado, rígido e um tanto quanto obcecado pela perfeição. Amou uma só mulher, a quem gerou seu único filho Thomas Deadly Howthorn.
Ele... amava sim o seu filho. Muito mesmo. Nunca deixou isso muito claro porque era um homem reservado e fechado quanto a sentimentos. Mas amava o garoto mais do que a si mesmo e com a morte da esposa esse amor tomou uma face esquisita que levou Thomas a questionar se seu pai um dia sequer gostou dele. Quando o menino tomou idade para se virar sozinho e não precisar tanto do pai, Lucius enfiou-se num coma emocional, bloqueando sentimentos, restringindo emoções e procurando respostas para o luto em lugares que ele devia saber que não encontraria. A exigência quanto à formação de Thomas era uma prioridade dissimulada, queria controlar todas as ações do menino e o punia severamente pelos menores deslizes. Uma nota negativa era motivo para palmadas nos braços e pernas; reclamações da diretoria acabavam em um olho roxo e ai dele se um dia reprovasse. Quando bêbado, Thomas tinha medo que o pai o matasse. Às vezes culpando um pobre garoto pela morte fatídica da própria mãe - embora a fatalidade fosse resultado de uma doença auto-imune.
Thomas desenvolveu um ódio tremendo pelo pai. Mas era filho dele, e as formas que achou para mascarar todo aquele tratamento fora a mesma que Lucius antes dele. Thomas acredita que a única coisa verdadeiramente boa que fizera por ele em toda a sua vida fora no início do colegial quando o espancou até que ficasse desacordado após uma suspensão de aulas ocasionada por uma briga estúpida, e Thomas foi parar na emergência do hospital administrado pelo pai de Avril, no mesmo dia em que a garota visitava a clínica para um exame rotineiro.
Ela estava por perto quando o viu na espera da emergência, chorando e muito, muito machucado. Observou-o sentado segurando a própria cabeça com ambas as mãos. Abaixo dele uma pequena poça de sangue que pingava do nariz. Ela quase não acreditou que era realmente ele, mas logo pensou que não era uma novidade tão grande. Do jeito que ele era, não demoraria a arrumar briga com a pessoa errada e, motivada pelo ódio que cultivavam um pelo outro, até pensou que aquilo era muito bem feito para ele. Contudo... havia algo que lhe dizia para ter cuidado com o que pensava. Ela assistiu a briga mais cedo, o garoto que o desafiou nunca seria capaz de deixar alguém como Thomas naquele estado, por isso, ela se aproximou procurando uma intervenção sutil, que não o fechasse ainda mais. Tocou o braço dele e ele se encolheu, ameaçado. Os olhos se voltaram para ela e ele quase riu, mas a dor nas costelas o impediu.
"Você?" exclamou "Veio rir de mim também? A última coisa que preciso agora são as suas idiotices."
Por um minuto ela quase desistiu de conversar e num impulso levantou novamente. Todavia quando ele tossiu gotas pesadas de sangue, sofrendo a dor dos espasmos nas costelas feridas, ela decidiu deixar a competição estúpida de lado e tentar ajudá-lo de alguma forma.
"Quem fez isso com você?" perguntou.
"Não acho que seja da sua conta." ele respondeu, ríspido como sempre. Contudo, ela se manteve firme."Acho que vai ter de inventar uma resposta melhor quando meu pai te perguntar de novo."
Foi o único momento que ela teve a sua verdadeira atenção. Paul Winston o conhecia muito bem, e mais ainda o histórico de Lucius e seus surtos de raiva, logo atribuiria a situação do garoto ao seu pai. Winston perguntaria ao seu amigo o que aconteceu, e Howthorn o puniria por ter pedido ajuda a alguém como ele. Thomas tinha certeza.
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strange souls
Literatura KobiecaThomas era o garoto mais desejado de todo o colégio, mas cultivava há anos um amor que ele considerava inalcançável por Avril, sua quase nêmesis. Quando percebe que não pode tê-la pra si tudo desmorona. Amar Avril era a única coisa que o mantinha sã...