30 - Bônus

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Lolita Guerra

As mulheres do tráfico. Nascer nesse mundo pode ser vantajoso ou desastroso, não importa de que lado você está realmente, seja na luz ou nas trevas. Na verdade, depende muito do berço que você nasceu. No meu caso, eu nasci no berço do poder, vivi sobre os cuidados de um homem poderoso, mas esse poder só era ministrado por ele, Igor Pedrosa o meu pai. Agora imaginem uma garota de apenas dezessete anos, criada sem uma mãe, porque essa morreu durante o parto e com um pai rígido, e autoritário. Eu não tinha direito de voz e nem de escolha, e foi assim a minha vida inteira. Aprendi com a minha mama, apelido carinhoso que dei para a empregada que fez o papel de mãe a baixar a minha cabeça para tudo, principalmente para Igor e aceitar incondicionalmente as suas decisões. E eu fiz, e continuei fazendo após ser vendida para Pero Guerra. Exatamente isso que você entendeu. O meu pai precisava chegar ao topo do governo e para isso, contou com a ajuda de um poderoso traficante que recebeu em troca a sua linda filha e todos os olhos vendados do poder para ele fazer o que quisesse e bem entendesse.

Pero Guerra era um homem odioso posso assim dizer, de hábitos cruéis e sem alma. Conviver com ele tornou as chamas do meu inferno ainda maiores e mais ardentes, e saber que eu não levaria a minha mama comigo, o único bálsamo que conseguia me aliviar me deixou completamente enfraquecida. Após o nosso casamento vieram os abusos, a violência e as suas imposições. Pero passou a exigir filhos homens para aumentar ainda mais o seu império e quando engravidei pela primeira vez, passei meses de opressão até descobrir que finalmente fiz algo certo na minha vida. Enfim, eu estava esperando o herdeiro que ele tanto almejava e passei a ser tratada como uma rainha. Contudo, a minha sorte não me acompanhou por muito tempo e eu chorei lágrimas de sangue quando a minha primeira filha nasceu, e o seu pai nem se deu ao trabalho de ir vê-la na maternidade. As lágrimas me acompanharam com o nascimento da minha segunda filha, mas na terceira eu já não conseguia mais chorar. O meu corpo, a minha mente e o meu coração já haviam aceitado o seu destino de submissão. Sim, após o nascimento de Nina, eu fui forçada a sair do meu confortável trono para ser o lixo que Pero Guerra fazia questão de pisotear, e isso se estendeu por cada gestação. Enfim, eu cheguei a cogitar que a minha vida com esse monstro era todos os meus piores pesadelos e medos, mas acredite, não é. Pois acabei de descobrir que o meu maior medo nesse momento é reencontrar as minhas filhas.

Por quê? Não está na cara?

Eu fui uma péssima mãe, fui omissa por todos os anos de suas vidas, nunca lhes atribui um fio de carinho ou de atenção e único olhar que receberam de mim foi de repreensão. As minhas filhas foram criadas como animais soltos em uma selva e aprenderam a curar as suas próprias feridas, se é que conseguiram curá-las, e agora eu tenho a chance de lhes dar tudo que lhes foi negado. O problema é que eu não sei se elas me aceitarão de volta em suas vidas a essa altura, não depois de tudo que passaram com a minha permissão. Com a Nina tudo foi bem mais fácil e flexível também. E falando nela... Deus, como a admiro! Nina teve a força que eu nunca tive apesar de todas termos o mesmo destino traidor. Contudo, ela não aceitou calada. A minha filha rugiu o mais alto que pode, ela bradou, bateu o pé e impôs, e por isso ganhou o direito de vencer. Não foi assim para mim, tão pouco para a Jude e nem para a Maya. Assistir calada a entrega das minhas filhas matou o resquício da minha existência dentro de mim, e lembrar delas implorando por minha ajuda me lançou em outro inferno e as chamas ardentes que me causavam dor e sofrimento já não me importava mais. Eu estava dormente e entendi que isso era tudo que me restava... Dor e sofrimento. Foi a primeira vez me senti o nada do nada e como mencionei, eu já não tinha mais lágrimas para derramar. Estava seca por dentro, completamente morta. O submundo sabe ser cruel ao extremo quando ele quer. Contudo, ver Nina tão forte e imponente, trazendo a tão sonhada liberdade para todas nós está fazendo a terra seca florescer pela primeira vez e sentir o primeiro sorriso se abrir nos meus lábios foi como se as correntes em meus pulsos e pernas rachassem e caíssem diante dos meus pés. Deus, eu estava sendo liberta e como um pássaro que viveu a vida inteira pr4esa dentro de uma gaiola, eu me senti perdida sem saber para qual direção voar.

Nascidos da Máfia.Onde histórias criam vida. Descubra agora