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1999, Seattle

Faltava um dia para a véspera de Natal e eu havia vindo de Miami para passar as festas de final de ano com meus pais, e eu havia decidido que era hora de lhes contar sobre minha sexualidade, algo que já havia passado da hora de fazer. Camila queria ter vindo comigo, para conhecer a minha família, mas eu disse que precisava desse tempo sozinha com eles.

— Mamãe, papai, Marcela e Priscila. — eu comecei ao vê-los reunidos na mesa de jantar. — Preciso conversar algo em vocês. — disse nervosa.

— Pode falar, querida. — mamãe me disse, como sempre carinhosa, enquanto os outros apenas esperavam em silêncio.

— Eu preciso contar algo a vocês. — falei gesticulando. — Não sei como dizer isso.

— Diz logo, Caroline. — Marcela, minha irmã mais velha, disse impaciente.

— Deixa ela. — meu pai disse e sorriu pra mim. — Pode dizer filha, somos sua família.

— É que... — eu abaixei a cabeça com vergonha. — Eu sou lésbica, eu gosto de meninas. — disse de uma vez. — Eu sempre gostei, e tinha medo de contar. — suspirei.

Por alguns segundos todos ficaram em silêncio apenas me olhando e aquilo só me deixava mais nervosa.

— Ei filha. — meu pai chamou me fazendo levantar a cabeça. — Está tudo bem. — ele levantou e veio até mim. — Pra mim você continuará sendo a minha princesa, nada vai mudar. Se isso te faz feliz, estarei feliz. — sorri emocionada e ele me abraçou.

— Não queria dizer nada, mas eu sempre soube. — Marcela veio até a mim e também me abraçou. — Nada muda, continuarei sendo sua irmã ciumenta. — nós rimos. — Além do mais... — se abaixou pra falar no meu ouvido. — Acho que você não é a única não... — sussurrou olhando discretamente para Priscila, me fazendo rir ainda mais.

— O importante é você ser feliz, nós vamos sempre te amar independente de qualquer coisa. — minha irmã caçula, Priscila, veio até mim e beijou a minha testa.

Os três ficaram ao meu lado apenas esperando minha mãe dizer algo. Meu coração parecia que ia sair pela boca, sua expressão não era boa, então eu já estava me preparando para ela dizer coisas ruins para mim.

— Caroline, minha querida. — ela se levantou suspirando. — Não vou mentir pra você, eu não posso entender isso tão fácil como seu pai e suas irmãs... — disse olhando pra mim. — Não era isso que eu sonhava para você, mas filhos não são nossos, são do mundo. Então eu terei que aprender a lidar com isso, talvez demore um pouco, mas eu prometo que vou tentar. — ela sorriu fraco. — Mas independente disso, saiba que eu te amo e sempre vou amar. — nessa hora eu já estava debulhada em lágrimas.

Mamãe veio até a mim e me abraçou forte também chorando. No fundo eu entendia ela, se aquilo não foi fácil pra mim, para ela também não. Mas o mais importante era que eu tinha o apoio da minha família.
Depois disso a primeira coisa que eu fiz foi ir até a casa de Júlia contar sobre isso.

— Eu disse pra você nai, eles iam aceitar, sua família é incrível e eles te amam. — ela sorriu pra mim.

Ah aquele sorriso... Como eu senti falta de olhar para ele. Se ela soubesse...
No dia seguinte era véspera de Natal, como todos os anos, Kudiess e a família dela passava a ceia em minha casa, afinal nossas famílias eram tão amigas quanto nós. E no dia seguinte ela teria que viajar com o pai, a madrasta e o irmão para a Itália onde passava o Ano Novo com a família do pai.

— Que pena que quando eu voltar você já vai estar de volta a Miami. — Júlia disse triste.

— Quase não ficamos juntas. — disse segurando sua mão. — Espero que vá me visitar.

— Com certeza. — ela sorriu. — Ah, já ia me esquecendo, acredita que depois que sua mãe contou a minha madrasta que você é lésbica, ela foi falar para o meu pai que achava que eu e você tínhamos um caso. — ela começou a gargalhar. — Você acredita em um absurdo desse? Ela é maluca né?

— Cla-claro. — disse tentando rir espontânea.

— Somos amigas, irmãs, isso nunca aconteceria, só ela mesmo. — ela disse negando com a cabeça. — Agora tenho que ir. Te amo Nai. — ela me abraçou forte e eu aproveitei para sentir seu cheiro, seu perfume era tão bom que quase não a soltei.

— Também amo você, Kudiess. Boa viagem, e se cuida. Ah, juízo lá viu. — eu ri.

— Juízo é meu sobrenome. — ela piscou e entrou no carro.

Fiquei acenando até não ver mais o carro, entrei de volta para casa e fui direto para o meu quarto.

— Posso entrar? — Marcela perguntou.

— Claro. — sorri. — Está tudo bem?

— Eu que te pergunto. — ela diz sentando na cama. — Percebi que depois que a viajou você ficou triste.

— Claro, somos amigas, eu sinto falta de passar tempo com ela. — confessei.

— Não é só isso. Eu sei que você gosta dela. — falou.

— O QUE? — eu quase me engasguei. — Claro que não, tá doida? — ri.

— Você pode até mentir pra todos, e até pra Júlia, mas não pra mim, eu te conheço Naiane. O jeito que você olha para ela, é o mesmo que eu olho pro Bruno. — ela disse falando de seu namorado.

— Nada haver, eu a olho normal, minha amiga. Somos amigas desde a infância, nada haver você pensar isso.

— Está bem, se você quer mentir para si mesma. — ela dá de ombros e se levanta. — Mas cuidado para esse sentimento não te sufocar.

Ela então saiu do quarto e fico pensando nisso. Ela tinha razão, eu gostava da Júlia , desde o dia que ela foi me visitar na faculdade eu nunca mais parei de pensar nela desse jeito, eu sonhava com ela várias noites, sonhava beijando seus lábios, e eu tinha vontade de sentir o gosto de seu beijo. Mas sabia que aquilo nunca aconteceria.

[...]
2000, Miami

Fazia duas semanas que Júlia havia me ligado para contar que iria começar a estudar na mesma faculdade que eu, ou seja, estaríamos pertinho uma da outra novamente, e eu não poderia estar mais feliz. Ontem eu fui atrás de arrumar um quarto em uma república de estudantes de administração para ela, e por sorte eu encontrei um e o local é apenas a uma quadra da onde eu moro.
Quem aparentemente não havia gostado da notícia era Camila, que não saia do meu pé, e aquele grude todo estava me irritando. Ou talvez porque eu não estava apaixonada por ela e saber que Júlia estaria perto me fazia não querer estar mais com ela.

— Rios, querida, por favor cuida dela pra mim. — tio Roque me disse quando veio trazer Júlia.

— Claro, não se preocupe tio, vou ficar de olho nessa menina. — eu ri e ela revirou os olhos com os braços cruzados.

— Até parece que eu não sei me cuidar. — ela disse emburrada.

— Eu sei que sabe querida, mas o papai é cuidadoso. — ele lhe dá um beijo na testa.
Depois que tio Roque foi embora, comecei a zoar Júlia.

— Coisinha linda do papai. — eu apertei as bochechas dela.

— Vai te catar, Naiane.— ela mostrou a língua. — Vem me ajudar a arrumar minhas coisas que você ganha mais.

— Ah claro, vou ganhar muita coisa.

— Claro que vai, vai ganhar todos, meu amor. — ela riu.

Se ela soubesse que o amor dela já era uma grande recompensa pra mim...
Nós duas voltamos a ser o que éramos quando morávamos em Seattle, tirando a parte que agora tínhamos mais responsabilidades, e existia Camila que estava sempre querendo estar comigo. Eu havia tentado terminar com ela, mas ela chorou dizendo que não podia viver sem mim e essas coisas, e eu acabei não tendo coragem de terminar. Agora estava em um relacionamento infeliz e cada vez mais confusa sobre meus sentimentos em relação a minha melhor amiga.

Minha Melhor Amiga - NajuOnde histórias criam vida. Descubra agora