Ano que vem

7 1 0
                                    

Não dá para tirar conclusões do que eu falo. Se eu ler isso amanhã, vou me arrepender amargamente, porque meus pensamentos mudam a uma velocidade... sou jovem, e geminiana também.

Antes eu ficava tão animada com anos novos, porque eu sempre fui uma pessoa alucinada com listas. Listas de compras. Listas do que fazer em janeiro. Listas do que comprar de roupas novas. Listas do que eu quero no meu aniversário. Listas do que preciso fazer em março. Lista disso. Lista de 50 metas. Depois 100. E no fim... a realidade senta sua buzanfa na expectativa e mata ela sufocada.

Mas a ideia de um amanhã sempre me enchia de esperança novamente. Eu podia procrastinar ou não prosperar tanto como eu queria, mas havia o futuro. Só que, à medida em que eu vou crescendo, estou mais puta com o meu passado do que animada com o meu futuro. A sensação de que eu podia ter feito muito mais, ou me mexido quando fiquei sentada esperando algo acontecer.

E pela primeira vez, eu estou com medo do ano que vem.

Minhas convicções políticas não estão lá muito otimistas. Tem também o medo do meu futuro pessoal, pois estou naquela fase aterrorizante em que ainda sonho e penso como uma criança, mas tenho as responsabilidades de adulta que eu preciso cumprir para não morrer na sarjeta. E... eu sou uma mulher, penso como mulher, me visto como mulher, mas eu sei que eu não sou uma. Sou tão sensual quanto um abajur. Sou um objeto inanimado. Eu sou a baranga.

Tem as gostosas e tem as barangas nesse mundo. E eu sei que eu sou uma baranga. Eu devia estar conformada com isso a esse ponto, mas continuo tendo uns sonhos horrorosos. É seis da tarde de uma terça-feira, eu me deito no sofá e começa: eu beijando alguém com paixão, recebendo um "eu te amo", depois eu estou grávida, depois eu estou com dois filhos, beijando uma criança linda e quase chorando de amor, e é nesse ponto em que eu preciso me levantar e viver, porque eu sei que isso nunca vai acontecer comigo, porque eu sou uma baranga, e isso não é pra acontecer com gente como eu, por mais que eu sonhe. Também não posso comentar com ninguém esses sonhos, porque isso não é sonho pra alguém pensar. Isso é coisa de crente doida, de mulher tontinha.

Esse ano eu senti uma tristeza enorme no meu coração, porque eu sabia que ninguém ia gostar, mas eu tinha que me matar. Eu precisava. Porque eu era um nada. E nada do que eu desejava ia acontecer comigo. Um monstrinho sentou no meu ombro e começou a dizer um monte de mentiras que eu achava que eram verdades que ninguém tinha coragem de me dizer. De que qualquer homem que ia ficar comigo me trairia, que meus filhos seriam abortos, que eu não pararia em nenhum emprego, que eu sempre seria feia e sedentária, que nada que eu fizesse ficaria bom. Chegou um ponto em que minha rotina era comer, deitar, ir no banheiro, ficar no celular, dormir, ficar no celular, comer, e...zás.

Se comparar com os outros é uma merda. Nunca façam isso. Nunca. Nunquinha. Porque vai chegar uma hora em que morrer vai ser a melhor opção. Eu queria ler mas aí lembrava que eu lia pouco, que tinha gente que leu 50 livros num ano, e livros bons, já eu... aí eu lembro que tem meninas com paces de corrida maiores, percentual de gordura de 15% e eu... aí eu lembro na hora de rezar que não rezei terço, que tem que ser todo dia, e que eu não li a Bíblia inteira. E isso gerou um loop infinito de insatisfações.

Não era a namorada ideal. Uma leitora ideal. Uma cristã ideal. Uma estudante ideal. Uma filha ideal. Uma corredora ideal. Eu só era... eu, a Bel. E eu percebi o quanto eu odiava a Bel. Porque a Bel nunca se destacou em nada na vida, ela é medíocre, chatinha, feinha, lerda, um desperdício. E é tarde demais para ela se destacar em qualquer coisa.

Eu quero terminar esse desabafo positiva e com uma mensagem legal, mas também, por que eu deveria? Eu ainda me sinto uma merda às vezes, e o objetivo não é passar uma mensagem para os outros, eu falei que não dá pra tirar conclusões do que eu digo.

Mas aí, eu pensei em algumas coisas: por que eu deveria me destacar? Por que eu quero ser única, singular? Para ganhar atenção?
Por que eu preciso casar e ter filhos? Eu vivi sem isso por 19 anos, qual a necessidade agora? Então se eu ganhar um diploma, uma casa, doar um milhão pra caridade, nada disso valeu porque não casei, então não fui amada, não fui alguém que vale a pena ser amada? Não posso ser amiga?!

Eu tenho medo do ano que vem porque eu tenho medo de continuar do jeito que eu estou esse ano. Ou piorar. Eu quero valer nesse mundo pra alguma coisa. Não quero me sentir uma peça avulsa.

Eu lembro que eu também fazia uma lista de coisas que eu não gostava em mim, em dias em que eu me sentia mal, e confesso que até hoje, há algo de prazeroso em mergulhar na minha melancolia, me sentir um caso perdido e não querer melhorar nunca.

Próximo ano eu vou por planos baixos, porque minhas asas não alcançam as montanhas, quem sabe um dia chegarão lá. De acordo com a Lara Nesteruk, o Ícaro de Carvalho, o Ítalo Marsili, o Paulo Muzy, a Miss Laura, a Mila Marsili, o Melquisedec, a Mariana Brito, eu sou conformista, e não estou me esforçando.

Eu sei disso. Mas eu quero voar baixo, porque não cair no chão ano que vem já tá de bom tamanho. Eu só desejo prosperar, mesmo que devagarzinho, e conseguir paz no coração. Sem me preocupar com corpo, namorado, filhos, amigos, sonhos, metas ou futuro. Voltar a gostar de mim.

Eu estou planejando uma história nova. Pela primeira vez, eu desejo estudar a gramática, o enredo, fazer uma pesquisa, e fazer de maneira séria. Se Deus quiser, um pedaço vai sair ano que vem e talvez até esteja pronta. Isso é algo pra se sonhar também.

CoisasOnde histórias criam vida. Descubra agora