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    Tortura não é exatamente a palavra certa para se descrever o verão escaldante de San Francisco, mas chega muito perto. Inferno seria o termo correto e não somente para referir a sensação de estar entrando em combustão, mas também para os acontecimentos da temporada ardorosa de 1978, ao menos, é assim que ele se lembra, um inferno na terra. Porém, talvez pudesse ter sido diferente, talvez tenha sido e ele não percebeu, talvez não tenha sido nada e ele estava exagerando, mas algo certamente tem de ter acontecido, pois o que foi o céu para ele em 78, anos mais tarde, se tornou o abismo, um abismo que agora habitava nele e quem o salvaria? Quem o acordaria daquele pesadelo eterno? 

    Talvez se voltarmos um pouco na história, tudo faça sentido finalmente.
As vezes, precisamos rebobinar a fita. 

Verão de 1978 - San Francisco, California

        ☆ James 

    Finalmente, as férias chegaram, trazendo consigo a minha vontade de continuar existindo de volta. 3 meses pela frente sem ter de acordar cedo, 3 meses sem ter de me esconder naqueles corredores, 3 meses sem precisar passar 20 minutos de intervalo trancafiado dentro de uma cabine imunda de um banheiro mais imundo ainda. 3 meses que eu poderia passar escutando minhas músicas, ainda não possuindo muitos discos, e lendo minhas tão queridas revistas de quadrinhos e carros. Seria o paraíso? 

 - JAMES! Desça logo para almoçar. 

    Ouço o grito de minha mãe me fazendo pular da cama afastando os pensamentos sobre meus ideais de paraíso, logo descendo as escadas correndo e quase me esborrachando no chão. Dei risadas baixas de mim mesmo pela minha lerdeza, até ouvir ele abrir a boca.

 - Não entendo como ainda está vivo, é destrambelhado até nos mínimos detalhes. - disse o bêbado do meu pai sentado na ponta da mesa me olhando com desprezo. - Veja, mulher, esta foi a aberração que criastes. 

 - Por favor, Virgil, vamos almoçar, deixe o menino. - minha mãe disse tentando me defender das palavras grosseiras daquele nojento. - Vamos rezar para termos uma refeição abençoada. 

    Fechei a cara, abaixei a cabeça, numa tentativa falha de me esconder atrás de meus compridos fios loiros, caminhei em direção a mesa e assim fizemos, sentei-me ao lado de minha mãe e demos as mãos para dar graças. 

    Isso era algo muito comum em nossa casa caótica, após ouvir palavras grotescas desferidas como socos pelo monstro que eu chamava de pai, minha mãe sempre tentava mediar a situação e rezar, segundo ela "Jesus pode fazer milagres por nós, só precisamos nos voltar a ele", porém eu discordava dessa fala, pois eu a via definhar sendo morta lentamente por um câncer do qual ela se recusa a tratar, "Eu tenho fé que Ele a de me curar na hora certa" ela dizia com convicção. Bem, eu não sei quando esse cara vai decidir agir, mas espero que logo, não acredito que haja mais muito tempo sobrando para ela...

- Amém! - disse a mulher na qual eu pensava enquanto eles rezavam. 

    Desfizemos o contato de nossas mãos e nos colocamos a comer. Como sempre, a comida dela melhorava o clima de qualquer lugar e o humor de qualquer um, minha mãe, com certeza, era um anjo. Um anjo casado com um demônio, certamente uma ironia do destino. Não entendo o que ela tinha em mente quando casou-se com esse desgraçado, um homem genuinamente mal, alcoólatra, hipócrita, mentiroso, que paga de bom cristão, pai e marido para a comunidade eclesiástica, não há como apaixonar-se por alguém assim. Mas ele era de boa família e quando digo boa, digo financeiramente, talvez tenha sido a única saída para uma jovem moça pobre, o que não fazemos para sermos bem vistos na sociedade - e para sobreviver.  

 - James, querido, acorde desses pensamentos e coma sua comida antes esfrie - disse ela me trazendo de volta para a realidade - Gostou do almoço de hoje.

 - Claro que sim, mãe, você sabe que não resisto a seus pratos delicio-

 - Teremos novos vizinhos em breve, ouvi dizer que são boa família e frequentarão nossa igreja. - fui cortado no meio de minha fala por aquele idiota egocentrico - Amanhã, depois da missa, farão uma anunciação de boas-vindas na igreja para eles, acredito que sejam realmente importantes na nossa comunidade, não é qualquer um que recebe toda essa recepção. 

 - Oh, que novidade calorosa, quanto mais irmãos a somar, melhor! - minha mãe se empolgou com a ideia. - Como é a família?

 - Ouvi dizer que é formada por um casal e dois filhos, uma menina e um menino - ele continuou - Espero que o garoto seja da mesma idade que James, quem sabe coloca algo de bom na cabeça desse moleque. 

 - Isso é realmente maravilhoso, finalmente uma boa companhia para você, meu querido, anda tão solitário desde que seu amigo se mudou. - disse ela virando para mim. 

    Ela realmente precisava me lembrar de que eu possuía apenas um amigo de verdade, o qual se mudou para a porcaria da Dinamarca? Qual a necessidade? Mas tudo bem, sei que ela não fez por mal, sei que se preocupa comigo e apenas quer me ver feliz, ainda que no fundo, ela desaprovasse a presença de Lars Ulrich em minha vida e tenha dado graças mentalmente quando ele partiu para longe. 

    Bom, só para deixar avisado, quero você pronto e muito bem vestido amanhã, nada de camisetas daquelas bandas horrorosas, você vai à igreja conosco quer queira, quer não, esteja pronto às 7h30 da manhã, sairemos logo em seguida. - disse meu pai, olhando em meus olhos pela primeira vez na semana. 

    Engoli em seco e gelei com seu olhar queimando em cima de mim e resolvi apenas acatar a ordem balançando a cabeça positivamente. E lá se vai a primeira vantagem das férias de verão, acordar tarde. 

    O resto do almoço correu normalmente, em um completo silêncio de todas as partes ali presentes, apenas o ranger dos garfos no prato e barulhos de deglutição eram audíveis. Enfim, meu pai se retirou da mesa, permitindo-me soltar o ar que eu nem sabia que mantinha trancado em meus pulmões. Minha mãe e eu terminamos de almoçar em paz depois de ouvir ele entrar no carro e sumir para o trabalho - ou para encher a cara em algum bar -, ajudei-a com a louça e algumas poucas tarefas da casa, as quais meu pai não me permitia ajudar, mas que se dane, ele não estava ali. 

    Em seguida, subi para o meu quarto, onde eu passei o resto do dia e noite ouvindo músicas em meu velho rádio que ficava na cabeceira da minha cama. Viajei no meu próprio mundo naquela noite, lembrei-me de Lars e senti a saudade de meu melhor amigo bater forte no peito, meu único companheiro foi para o outro lado do mundo, pouco antes das férias, sem previsão de volta e não havia como nos comunicarmos, dificilmente eu conseguia enviar uma carta lhe contando as novidades e perguntando como estavam indo as coisas. Eu não sei como vou aguentar ficar trancado nessa casa o verão todo sem ele, não sei mesmo. 

    Depois de tanto pensar e relembrar dos momentos bons que passei com meu melhor amigo, resolvi ir dormir, são quase 22h e eu preciso acordar cedo amanhã para ir àquela maldita igreja, ouvir aquele maldito padre falar por horas e ainda terei de fingir ser receptivo com os outros. Realmente um martírio, eu só queria poder sumir.    

Capitulo pequeno, eu sei, mas esse é só o começo da fanfic.
Enfim, essa história é basicamente um surto meu.
Resolvi voltar a escrever de novo, porém em um nicho completamente diferente. Sinceramente, não sei como vou me sair, mas espero que eu possa produzir algo que vocês gostem.

Muito obrigado por ler.
Vou atualizando...

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⏰ Última atualização: Dec 29, 2022 ⏰

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