1 - Alerta

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"Com ciclone de inverno Elliot, os Estados Unidos devem ter a noite de Natal mais fria em décadas". Essa porcaria vai arruinar o meu fim de ano. Já não bastasse meus pais presos do outro lado do país, agora vou ter que enfrentar esse ciclone bomba sozinho. Tudo bem, tudo bem. Eu não tenho motivos para me preocupar.

"A cidade de Buffalo, que fica há 600 quilômetros de Nova York, será uma das mais atingidas. Essas são as previsões dos meteorologistas", afirma a repórter, que está na Times Squares, uma das avenidas mais movimentadas de Nova York. Desligo, antes dela mudar de assunto, pois não quero mais notícias ruins.

Tenho dois dias para estocar comida e água. Na verdade, a minha mãe já fez todo trabalho, apenas vou me certificar de cuidar do Tornado e Avalanche, os nossos furões de estimação. Diferente, eu sei. Enquanto as famílias 'normais' possuem cachorros ou gatos, a minha decidiu adotar furões.

Eu meio que já me acostumei com as mordidas e sustos que essas pestinhas providenciam.

Estou na sala, sem ter ideia do que fazer, quando a campainha toca. Junto o pouco de coragem que me resta e sigo em direção à porta. Ao abrir, o vento frio corta a minha pele, pois estou apenas de pijama. Um sorriso caloroso me recebe. É a senhora Harris, a vizinha do lado direito. Uma mulher espaçosa, mas boazinha. Ela está sendo a minha tutora nos últimos dias.

Tive uma briga enorme para ficar sozinho em casa e, graças aos céus, os meus pais me deixaram cuidar dos furões. Só que não escapei de ter um tutor. Como se um adolescente de 17 anos precisasse de supervisão. Babozeira, eu sei.

Convido a Sra. Harris para entrar, afinal, não quero congelar. Ela deixa algumas sacolas no chão e bate na neve de seu casaco. A voz grossa dela ecoa pela sala.

— Menino, essa nevasca não estava no meu planejamento. — garantiu a Sra. Harris, pegando a sacola e indo em direção a sala. — Mark, cadê as crianças?

— Tornado e Avalanche estão no quarto. Eles estão preguiçosos esses últimos dias. — respondi a seguindo.

— Esse tempo é perfeito para sonecas. Infelizmente, algumas pessoas não podem se dar a esse luxo. Enfim, querido, eu trouxe uma lasanha e doces. O Jake está voltando para casa e preciso buscá-lo na rodoviária. O coitadinho não conseguiu pegar o avião...

O Jake está voltando? Essa informação me deixa com o estômago revirado. Jake Harris, o meu ex-melhor amigo. Se é que pode-se usar esse termo, ex-melhor amigo. As coisas ficaram estranhas entre nós no ensino médio. Ele era muito anti social, diferente de mim que fiz vários amigos.

Eu não sinto falta do Jake. Aquele nerd bonito. Ok, eu sou gamado no garoto desde sempre. Porém, além da distância que criamos entre nós, agora existe a maldita geografia. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) descobriu a genialidade do meu vizinho e o levou do ensino médio direto para o campus.


Antigamente, nós éramos mais unidos, sempre dormindo um na casa do outro, só que a genialidade dele acabou nos separando. Ainda acho injusto alguém tão bonito ser inteligente. Eu me esforço tanto na escola e sou apenas um 'B'. Só que vou me esforçar para escolher uma boa universidade. Vou aceitar aquilo que a vida me mandar.

A Sra. Harris fala pelos cotovelos. Eu ainda não digeri a primeira informação. Cara, o Jake vai voltar. Foram apenas quatro meses, mas tenho saudades dele. Como os seus cabelos lisos criam cachinhos quando estão grandes. Ou o seu olho que ganha um tom esverdeado no pôr do sol.

Eu consigo detalhar cada característica do meu vizinho. Uma pena que ele não me nota dessa maneira.

Depois de me dar todas as instruções para esquentar a lasanha, a Sra. Harris me deixa. Eu e meus pensamentos. Os meus pensamentos e eu. Corro para o computador e entro no Twitter do Jake. A maioria das postagens são sobre matemática e números, mas desço o cursor para a foto que me interessa.

O Jake está sentado em um banco do Jardim Botânico de Buffalo. O pôr do sol penetra a sua íris, deixando um tom de verde, um tom lindo e chamativo. Eu fui o responsável por capturar esse momento. Os cabelos dele estão desarrumados, mas de uma maneira bonita. Sua boca entreaberta, quase esboçando um sorriso tímido. Cara, esse garoto é perfeito.

— É muito desrespeitoso se eu bater uma e... para, para! — digo, antes de me afastar do notebook. — Eu não posso fazer isso com uma foto que amo tanto. O Jake merece o meu respeito. Isso, ele merece. Ah, cara! - fecho o notebook, deito na cama e olho para o teto. — Malditos hormônios adolescentes.

O meu celular apita. É uma mensagem dos meus pais. A gente criou um grupo para compartilhar o nosso dia a dia. Ideia da mamãe, que foi acatada por mim e pelo meu pai. A maior parte da conversa são figurinhas e memes. A cada dia, eu me assusto com a capacidade deles produzirem figurinhas horrendas. Pelo menos, os dois não ligaram para a minha sexualidade. Ter um filho gay pode ser considerado ofensa em algumas famílias. Escapei dessa, obrigado Zeus.

A Nevasca do SéculoOnde histórias criam vida. Descubra agora