1- Piloto

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Eu não sabia direito o que eu estava pensando, muito menos no que estava olhando, mas o barulho alto do ônibus que virava a esquina me tirou daquele transe. Acho que usar fones de ouvido no ponto não é muito seguro. Fiquei observando o ônibus que tinha escrito "Urano-Curitiba" até chegar na frente dos meus pés e eu finalmente entrar. Nunca fiquei tão feliz em saber que posso ficar 40 minutos só ouvindo música e romantizando que sei lá sou filha da Katy Perry e posso me casar com a Billie Eilish, o grande sonho jovial, ou até me ver em uma praia ouvindo Rita Lee em férias que estão bem distantes de mim. Não sei o que é sol mais, já que sim Curitiba ou Curiri como costumo falar sempre, sempre chove.
O ônibus estava vazio, mais liberdade para me sentar aonde quiser. Fiquei ali quieta tranquila e aproveitei ler um pouco as mensagens do meu celular:

- Cecília Pereira quando você botar os pés no Teatro, eu te garanto que sou capaz de te matar!

- Já saiu de casa???

- Ceci não é possível.

Soltei um sorriso com as mensagens da Amanda, ela vem sendo a minha melhor amiga desde que éramos da turma do Kids no nosso Teatro. Ela sempre foi minha parceira, antes eu a odiava pois a mesma queria ser a Magali na nossa primeira peça, mas eu já era essa personagem, a solução? Criamos duas Magalis, como se fossem irmãs gêmeas, e assim de certo modo a Amanda virou a minha irmã. Agora nós duas estamos a um passo dos 18 anos, e não somos mais parecidas ao ponto de sermos irmãs gêmeas em peças, minha amiga tem o cabelo loiro escuro com ondas grandes que invejo com franja, a sua pele bem branca que quase chega a reluzir luz, diferente da minha que chego a ser mais morena que a mesma (quase que um bronzeado natural, chupa influencers que ficam horas dentro de cápsulas pra ter o que eu tenho) e o meu cabelo curto mais escuro que o loiro da Manda mas também ondulado que fun fact: Foi a própria Amanda que cortou pra mim, depois que terminei a série Coisa mais Linda e ficar apaixonada pela Lígia, eu tinha que cortar.

- Já sai de casa, tô no busão!! Daqui a meia hora eu chego, me encontra na frente da Universidade!!!

Notificação: Você tem uma mensagem de Amandinha Linda.

Puxo a barra de notificação, diferente de mim a minha amiga responde rápido e não só...esquece de responder e dali a um mês se lembra.

- Finalmente!! Tô levando um guarda chuva caso o tempo vire, vem logo.

Sou interrompida do meu momento de escolher a música perfeita pra ouvir, quando o ônibus para bruscamente ao ponto do meu fone quase voar pra frente, eu nunca reclamo quando pego motoristas que são bem brutos no volante, normalmente só fico observando para ver se aconteceu algo ou atropelaram algum animal (más lembranças me passam na cabeça). Ao que parece é só uma pessoa bem irresponsável que saiu correndo berrando pela rua para o ônibus parar, pois a porta abre, com certeza é algum homem com maletas chiques. Para minha surpresa entra uma moça, com os cabelos cacheados que visivelmente pegaram vento demais mas que ficam perfeitamente caídos em seu ombro, ela usa uma jardineira bem parecida com a minha mas a dela é verde enquanto a minha é azul, e embaixo da jardineira só tem um top branco, seu all star preto marcando presença depois que passa da catraca. Vou acompanhando aquele tênis desamarrado até ela se sentar na minha frente, na...minha...frente. Bendita seja cadeiras de ônibus que por algum motivo são de costas na frente de uma específica, e que dão enjôo.
Na mesma hora viro pra janela e ali eu peço ao universo que eu fique com sono e durma até chegar ao terminal.

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Não fiquei com sono, meu olho nem chegou a tremer em nenhum momento demonstrando qualquer tipo de cansaço, eu nunca tive facilidade em dormir em ônibus mas essa seria uma ótima hora. A menina continuava vidrada no livro que ela em alguma hora tirou da mochila, não consegui ver a capa, evito ler em ônibus porque me dá enjôo mas ainda sonho pelo dia que irei me tornar a lésbica misteriosa que lê livros enquanto vai para casa, só que ainda não sou, meu estômago e meus olhos não permitem, usar óculos e ler no ônibus = ânsia na certa.
Fiquei tão concentrada no meu possível embrulho de estômago que não percebi que a moça estava olhando diretamente pra mim, cadê o livro? será que ela guardou? ou será que eu sonhei tão alto que tive alucinação? estou confusa. Eu juntei toda a minha coragem e olhei pra ela e sorri, o olhar não durou tive que desviar, na mesma hora ouvi ela rir e quando meus olhos voltaram para ela de volta, a mesma estava escrevendo no celular, me concentrei no que poderia sair dali e então ela vira o celular na minha direção. Não tinha qualquer ser vivo atrás de mim então com certeza era para mim aquilo. Endireitei meus óculos, visão ruim do caramba:

"Adorei sua jardineira, você tem bom gosto."

Meu rosto queimava de tanto nervoso, olhei para baixo e reparei na jardineira simples, não sabia o que eu deveria fazer mas na dúvida eu abri meu Instagram e fui escrever nos stories mas sem realmente postar.

"Obrigada! Adorei a sua também,
acho que não sou a única
de bom gosto aqui."

A menina sorriu, engraçado que eu estou tendo uma conversa com ela e nem sei como é a voz dela, já imagino eu compartilhando isso com a Amanda "conversei com uma moça linda no ônibus mas nem ouvi a voz dela, acredita?", Manda iria rir, até eu iria na verdade.
Ela fez outro recado:

"De fato, me chamo Vitória
e você?"

Vitória, logo me lembro de ANAVITORIA e meu coração da um salto duplo! Agora pelo menos, sei o nome da moça, quem precisa ouvir a voz da pessoa se já sabe o nome?

"Cecília."

"Uau, eu aqui me achando tendo nome de
Vitória e você me acordando com um chute tendo um nome mais lindo ainda."

"Hahahahah perdão, vai para onde?"

Logo depois que mostro pra Vitória o celular, ela demora para responder e penso se não fui indelicada perguntando aonde ela iria, eu acabei de conhecê-la. Mas eu só estava sendo gentil, difícil manter conversas com meninas de cabelo cacheado.

"Visitar um amigo, sou nova em Curitiba vim de paraquedas passar uma temporada até o ano novo, e você?"

"Teatro, e que legal!"

"Então temos uma atriz entre nós?
Linda e atriz? Isso é um sonho."

"Deveria ir algum dia ver alguma peça,
uma turista tem que ver as artes de Curitiba."

"É só me falar aonde é que eu vou."

"Então isso é um sim?"

"Não, isso é um com certeza!"

Começo a rir e Vitória também, vejo que ela começa a olhar para fora e o meu pior medo acontece, acho que ela tem que descer em algum ponto. Uns dois pontos antes do terminal que é aonde eu desço, ela levanta correndo quase deixando a mochila cair e esbarrando nas pessoas (o ônibus encheu e eu nem percebi), ela assim como quando entrou, grita para o motorista que precisa descer ali e novamente o ônibus para bruscamente mas dessa vez eu nem me mexo porque fico concentrada na menina descendo do ônibus e antes mesmo que eu desvie o olhar, Vitória vira e acena para mim piscando o olho e sai correndo. Eu oficialmente tive uma conversa com alguém sem realmente trocar uma palavra (pelo menos falando) e sabe algo estranho? Eu não fiquei enjoada lendo os recados dela.

Ondas na Linha de ÔnibusOnde histórias criam vida. Descubra agora