Capítulo 8

27 2 3
                                    

O dia da guerra era um lindo dia de primavera. De manhã choveu, e no colégio, durante o recreio, os meninos espiavam com tristeza o céu pela janela. Temiam que a chuva impedisse toda a guerra. Mas por volta do meio-dia cessou a chuva e o céu clareou. À uma hora já brilhava o sol primaveril, a calçada secara, e quando os garotos saíram do colégio fazia novamente calor e a brisa trazia perfumes bons das montanhas de Buda. O melhor tempo que se podia desejar para uma batalha. A areia acumulada nos fortes molhara-se, mas secou um pouco, de forma que ficou até melhor para o preparo das bombas.

À uma hora a azáfama era geral. Todos corriam para casa, e a um quarto para as duas já o exército estava no grund, em grande alvoroço. Alguns rapazes guardavam ainda no bolso o pão do almoço e comiam-no aos poucos. De qualquer maneira, a excitação era menor que na véspera, quando ainda não sabiam o que os esperava. O aparecimento dos embaixadores dissipara-a, substituindo-a por uma expectativa grave. Agora já sabiam a hora da luta e conheciam-lhe as características. Continham a custo o desejo de lutar e aguardavam a batalha com impaciência. Mas na última meia hora Boka alterou o plano. Ao se reunirem, os meninos verificaram com surpresa que diante dos fortes 4 e 5 havia um fosso largo e profundo. Os mais assustadiços pensaram logo nalgum ardil do inimigo, e rodearam Boka:

– Viu o fosso?

– Vi.

– Quem o fez?

– Iano, hoje de manhãzinha, por encomenda minha.

– Para quê?

– Para modificar parte do plano.

Olhou para as suas notas e chamou os chefes dos batalhões A e B.

– Estão vendo este fosso?

– Estamos.

– Sabem o que é uma trincheira?

Não o sabiam.

– A trincheira – disse Boka – serve para abrigar a tropa, escondê-la aos olhos do inimigo e permitir-lhe que só entre em ação no momento oportuno. Segundo o plano primitivo, vocês deviam postar-se no portão da rua Paulo. Mas verifiquei que isso não daria certo. Por isso vocês esconderão seus batalhões na trincheira. Quando a tropa inimiga penetrar pelo portão da rua Paulo, os fortes entrarão imediatamente a bombardeá-la. O inimigo há de avançar em direção aos fortes, pois não verá a trincheira ao pé das pilhas de lenha. Quando chegar a cinco passos da trincheira, vocês se levantarão e começarão a bombardeá-lo. Nesse ínterim, os fortes continuarão a jogar bombas por sua vez. Então vocês sairão da trincheira e se atirarão sobre o inimigo. Não o repelirão logo para o portão, mas esperarão que nós tenhamos liquidado o exército da rua Maria, e só principiarão a rechaçar o outro quando eu mandar tocar o sinal de ataque. Logo que nós tivermos encurralado a tropa da rua Maria no barracão, a tripulação dos fortes 1 e 2 transferir-se-á aos outros fortes e o nosso exército da rua Maria virá em vosso auxílio. A tarefa de vocês consistirá apenas em deter o inimigo. Compreenderam?

– Compreendemos.

– Eu mandarei então dar o sinal de ataque. A esse tempo os nossos efetivos já serão o duplo dos do inimigo, pois metade das suas tropas já estará aprisionada no barracão. Segundo as regras, em combate de grupo podemos ser mais numerosos; só em combate singular é proibido que duas pessoas ataquem uma só.

Enquanto Boka pronunciava essas palavras, Iano aproximou-se da trincheira e deu umas enxadadas para acabá-la; depois derramou nela mais uma carrada de areia.

Entretanto a guarnição dos fortes trabalhava com aplicação, num vaivém incessante, no alto das pilhas. Os fortes estavam feitos de tal modo que por cima do parapeito só apontavam as cabeças. Os ocupantes fabricavam bombas de areia, inclinavam-se, desapareciam, reapareciam. No alto de cada forte o vento agitava uma bandeirinha vermelha e verde. A bandeira só faltava ao forte nº. 3, o da esquina: era a bandeirinha levada havia tempos por Chico Áts, e que não fora substituída, porque os meninos pretendiam reconquistá-la na batalha.

Os Meninos da Rua Paulo (1906)Onde histórias criam vida. Descubra agora