Observo meu melhor amigo enquanto ele faz os exercícios passados por seu fisioterapeuta. Havíamos voltado do Qatar há quase um mês e sua lesão ainda não havia melhorado cem por cento, sei o quanto isso o deixa chateado então sempre que posso venho visitar o mesmo, e claro, contrabandeio um donut para ele, não é como se o técnico do time ou até mesmo seus médicos não soubessem desse pequeno desvio na dieta do jogador, mas preferiam ignorar sutilmente. Assim que ele completa sua série de exercícios do dia eu o vejo caminhando até a porta onde estou o esperando, vejo que sua perna ainda está um pouco dolorida, graças a seu jeito de andar. Ele franze o cenho algumas vezes e tomo a iniciativa de ir até ele para facilitar sua caminhada até a área de recreação do departamento médico.
- Ah, você veio, achei que não viria hoje. - Ele diz assim que me ver e posso ver um pequeno sorriso aparecer em seus lábios. - Estava com saudade. - Posso notar sua timidez pelo tom de voz e dessa vez quem franze o cenho sou eu, afinal, eu e Gabriel sempre falando abertamente sobre o que sentíamos em relação ao outro, ele sempre foi meu melhor amigo, quase um irmão, então essa simples declaração não deveria envergonhá-lo.
- Não resisti e tive que passar aqui, trouxe alguns donuts para você. - Afirmo enquanto ele caminha lentamente até o outro corredor, me usando de apoio. - E antes que fique chateado, eu também estava com saudades. - Sorrio e quando finalmente chegamos na sala que nos dá uma vista direta para o campo de futebol, Gabriel se joga em um dos puffs ali e ataca a caixa de donuts que eu havia deixado sobre a mesa.
Me sento em sua frente o observo comer tranquilamente, enquanto ficamos em silêncio, apenas olhando o gramado razoavelmente vazio. Alguns jogadores já estavam ali para se aquecerem um pouco antes do treino. Me viro para Gabriel e vejo em sua expressão o quanto ele sente falta de estar em campo, sendo assim, me levanto de meu próprio puff e me sento no mesmo em que ele está, para que ele possa descansar a cabeça em meu ombro, quando o mesmo o faz, acaricio seus cabelos e ficamos assim por quase vinte minutos quando resolvo cortar o silêncio.
- Você sente muita falta de estar em campo? - Questiono e observo o mesmo se virar novamente para mim.
- Muito, é quase do mesmo tanto que eu sinto quando estou longe de você. - Sinto minhas bochechas queimarem e observo um sorriso ladino surgir em seus lábios.
- E você ainda sente muita dor? - Ignoro sua frase anterior e ele revira os olhos sutilmente, mas percebo mesmo assim, o que me deixa ainda mais envergonhada.
- Às vezes, não é uma dor insuportável, só é chata. No começo era bem pior. - Ele afirma e eu aceno com a cabeça.
- Quando eu estava assistindo o jogo e vi que você tinha se lesionado eu chorei muito, porque eu sabia que seu sonho sempre foi jogar na Copa e ver isso ser tirado de você de maneira tão rápida me machucou muito, sendo bem honesta, machucou mais do que a eliminação do Brasil. Tudo que eu queria era tirar sua dor, faria de tudo para que você ficasse melhor instantaneamente, nem que para isso eu tivesse que carregar toda a dor que você estava sentindo. - Observo sua feição enquanto ele me encara. Ele passa quase dois minutos em silêncio, apenas me olhando e quando eu penso que ele iria dizer algo, a porta se abre e Ben, um de seus parceiros, de time entra
- Ah, não vi que vocês estavam aqui, vim só pegar o carregador que esqueci aqui ontem. - Ele diz caminhando até a mesa que estava ali e pegando suas coisas. - Mas e aí, cara? Como anda esse joelho? - Pergunta se aproximando de Gabriel, analisando o joelho do jogador.
- Ah, o mesmo de sempre, tá melhorando mas ainda não tá cem por cento, mas já já fico novinho em folha e volto para os campos.
- Diz Gabriel com sua confiança implacável de sempre e não posso deixar de sorrir diante da declaração.
- É isso aí cara, positividade sempre, o time inteiro tá te desejando melhoras, estamos ansiosos para que você possa voltar para o campo. - Afirma Ben, se despedindo de nós e indo para a porta logo em seguida. - Cuida bem do nosso garoto hein. - Ele diz para mim e eu afirmo com a cabeça.
- Pode deixar, esse aqui está em boas mãos. - Aceno para ele que vai embora e eu me deito ao lado de meu amigo.
- Posso te confessar uma coisa? - Ouço a voz de Gabriel após algum tempo, no momento eu estava brincando com seus dedos então apenas afirmo. - Promete que não vai se afastar de mim por causa disso? - Me viro para ele assustada.
- Ah meu Deus, não vou prometer isso, vai que você matou alguém. - Brinco mas vejo que o rapaz ao meu lado está tão nervoso que não consegue ao menos sorrir, o que me deixa mais preocupada ainda. - Olha só, vou fazer o meu máximo para que nada aconteça, mas não posso prometer isso, tá bom? - Estendo meu mindinho para ele que entrelaça seu dedo no meu e respira fundo, desviando o olhar para o teto.
- Eu sou apaixonado por você desde que tínhamos dezoito anos. - Ele solta de maneira rápida e nervosa e eu o encaro, a procura de sinais de que ele esteja brincando.
- Você está falando sério, Gabriel? - Questiono , automaticamente me sentando, fazendo com que Gabriel também se sente, ele me olha com os olhinhos brilhando com algumas lágrimas e apenas acena com a cabeça. - Gabi, você poderia ter me contado antes, somos melhores amigos, poxa.
- Eu sei, mas não queria estragar nossa amizade, nos conhecemos desde que nascemos e eu não queria estragar isso. - Ele resmunga e eu seguro seu rosto, fazendo com que ele encare meus olhos.
- Gabi, o que eu quero dizer é que você poderia ter me contado antes, assim não teríamos perdido tanto tempo. - Sorrio para o jogador em minha frente que me olha com um semblante confuso.
- Então isso quer dizer que você também gosta de mim?
- Eu pensei que você já tivesse percebido, afinal, eu já até te contei uma vez, então acabei apenas aceitando que éramos amigos e nunca íamos passar disso. - Dou de ombros.
- Você me contou? - Ele questiona e eu afirmo, sorrindo.
- No seu aniversário de dezoito anos eu te contei, mas você estava tão bêbado que provavelmente nem se lembrou no dia seguinte, mas na verdade foi um dia bem especial para mim, você acabou me dando meu primeiro beijo. - Sorrio envergonhada e observo a expressão de Gabriel mudar levemente.
- Ah, eu me lembro um pouco disso, mas eu fiquei tão louco na época que achei que era alucinação por causa da bebida. - Não consigo segurar e uma risada me escapa.
- Não, Gabi, realmente aconteceu, nos beijamos e foi o melhor dia da minha vida.
- Bem, eu não me lembro muito bem, acho que tá na hora de te dar um beijo digno de verdade, você topa? - Eu afirmo com a cabeça e ele se aproxima lentamente, encarando meus olhos. Sinto seus lábios tocarem os meus e é exatamente como eu me lembrava, doce, suave, intenso e perfeito. Sempre pensei que eu e Gabriel éramos apenas caso de amizade, mas agora, talvez haja uma possibilidade de dar certo do jeito que tanto sonhei e eu nunca estive tão feliz com uma possibilidade, talvez leve tempo mas por esse homem eu sou capaz de esperar todo tempo do mundo.