Capítulo Único

163 14 50
                                    

Pajeú não tinha ideia do que fazer no Ano Novo. Ele tinha acabado de deixar Cirino na casa da doutorinha Candoca - o menino tinha pedido para passar a noite com os amigos, e ele não conseguiu dizer não para o filho, mesmo que esse fosse o primeiro fim de ano que passaria sem ele. Apesar de não ser fã de multidões, o ex-jagunço estava se sentindo bastante solitário, se fosse ser honesto, então talvez foi por isso que resolveu ir à festa da cidade.

Só não esperava encontrar Deodora lá.

Ela estava bem no seu campo de visão, sendo a primeira coisa que viu quando chegou lá. Pajeú se virou, evitando contato com ela. A dona de terras provavelmente fora ali com sua família, e ele não queria nenhuma confusão que essa mulher pudesse trazer para seu Ano Novo. Porém, ela não pareceu entender o recado, porque foi em sua direção, quase tropeçando duas vezes no caminho.

"Pajeú!" Dava para escutar o sorriso em sua voz, um pouco alta demais. "Não sabia que tu ia vir!" Ela exclamou com confiança, como se fosse a anfitriã da festa - e, se o local não fosse a praça pública da cidade, ele até acreditaria.

Se voltando para ela, Pajeú deu uma olhada melhor no estado da mulher. Segurando uma taça, ela usava um vestido dourado com franjas, cheio de brilho, que ele já tinha visto ela usando na festa de casamento de Tertulinho e Candoca. Na época, mal lembrava da existência da fazendeira. Nunca imaginaria que ela mexeria tanto com sua cabeça e seu coração em tão pouco tempo. Pelo jeito como cambaleava e o sorriso livre em seu rosto, sem se preocupar com o que os outros iriam pensar, ela definitivamente estava bêbada. "Dona Deodora." Ele a cumprimentou, segurando a ponta de seu chapéu em sua direção.

"É 'dona' pra cá, 'senhora' pra lá. Deixe disso, pode me chamar só de Deodora. Ou do que tu quiser, meu lindo." Ela colocou as mãos no rosto dele, e tentou beijá-lo, mas Pajeú esquivou na hora.

Ele olhou para os lados, mais surpreso do que tudo, mas ninguém tinha percebido nada. "Quantos copos tu já bebeu?" Perguntou, facilmente pegando a taça dela, cheia pela metade.

Deodora estreitou os olhos, irritada com a ação, e roubou-a de volta, bebendo o resto do que estava ali. "Não é da sua conta, viu?" De repente, ela voltou a sorrir. "Tu veio ver os fogos de artifício, foi? Eu que mandei soltar eles, sabia?"

Pajeú balançou a cabeça, suspirando. "É melhor eu levar a senhora até vosso filho-"

"Tertulinho? Não." Ela desviou o olhar, séria, com uma expressão um pouco triste e enevoada por trás do álcool. Era ainda mais esquisito; Deodora sempre queria ficar perto do filho. Pela reação dela, porém, ele podia adivinhar que os dois tinham brigado, o que aumentou suas suspeitas pelo silêncio prolongado dela. Até que ela olhou ao redor, só notando agora que ele ainda estava com sua taça. "Eu preciso de mais bebida, já volto."

"Tu já bebeu por demais." Ele a impediu de sair, ficando em seu caminho. "E é melhor ficar longe dessa festa." Mesmo achando isso uma bobagem, Pajeú sabia que Deodora se importava muito com imagem pública, e não queria que ela passasse por nenhum vexame. "Já que não quer ver o vosso filho, eu te levo de volta pra fazenda, então."

"Não, não me leva pra lá. Eu não quero ir." Ela falou instantaneamente, e segurou seu braço, tentando pegar a taça, mas dessa vez ele não deixou. "Me leva pra tua casa."

"Dona Deodora..." Pajeú murmurou, não respondendo ao pedido dela. "E a senhora não devia tá na festa lá da fazenda? Você deve gostar mais do que aqui."

"Festa? Que festa?" Deodora inclinou a cabeça para o lado, confusa. "Não vai ter festa nenhuma."

Era Pajeú agora quem estava confuso. Tinha visto por vezes os eventos que eram feitos nessa época do ano na fazenda Palmeiral."Oxe, mas eu pensei que ia ter uma festança na fazenda, que nem todo ano."

FogosOnde histórias criam vida. Descubra agora