Capítulo 8

25 7 3
                                    

O frei, que havia aparecido antes, retornou à noite para oferecer um consolo a Emily e trouxe uma mensagem amiga da madre superiora convidando-a para o convento. Emily, embora não tenha aceitado a oferta, deu um sorriso expressivo de sua gratidão. A conversa santa do frei, cuja benevolência moderada em seu comportamento tinha alguma semelhança com a de St. Aubert, amenizou a violência do sofrimento dela e elevou seu coração ao Ser que, estando em todos os lugares e em toda a eternidade, vê os eventos deste mundo pequeno como as sombras de um momento, e contempla igualmente, e ao mesmo tempo, a alma que passou pelos portões da morte e aquela que ainda permanece no corpo. "Aos olhos de Deus", disse Emily, "meu pai existe agora tão verdadeiramente quanto ele existia para mim ontem; é somente para mim que ele está morto; ele ainda vive para Deus e para si mesmo!"

O bom monge a deixou mais tranquila do que ela havia estado desde que St. Aubert morreu; e antes de ir para o seu pequeno quarto para passar a noite, ela confiou em si mesma o bastante para ir visitar o corpo. Em silêncio e sem chorar, ela ficou ao lado dele. As feições plácidas e serenas revelavam a natureza de suas últimas sensações que haviam permanecido num corpo agora abandonado. Ela se virou por um instante, tendo horror à dureza que a morte tinha fixado naquele rosto, nunca visto sem animação até agora; e, então, ela o contemplou com uma mistura horrível de dúvida e perplexidade. A sua razão mal conseguia superar a expectativa involuntária e inconcebível de ver aquele amado rosto ainda suscetível. Ela continuava a contemplá-lo fixamente; pegava sua mão fria; falava; ainda olhava fixamente, entregou-se ao sentimento da dor. La Voisin, ouvindo os soluços dela, adentrou o quarto para levá-la para fora, mas ela não ouvia nada e apenas o implorava para deixá-la.

Sozinha novamente, ela deu vazão às suas lágrimas e, quando a escuridão tomou conta do cômodo, e quase escondeu de sua vista o motivo de sua aflição, ela ainda permaneceu perto do corpo; até que seu espírito estava, enfim, exausto, e ela ficou tranquila. La Voisin bateu na porta de novo e implorou que ela viesse para a sala de estar. Antes de ir, ela beijou os lábios de St. Aubert, como ela devia fazer quando o dava boa noite. Ela os beijou novamente; parecia que seu coração ia se partir, lágrimas de agonia se formaram em seus olhos, ela olhou para o céu, para St. Aubert, e saiu do quarto.

Depois de ir para seu solitário quarto, seus pensamentos melancólicos ainda pairavam sobre o corpo de seu pai falecido; e, quando ela mergulhou em um tipo de sonolência, as imagens de sua mente vívida ainda assombravam a sua imaginação. Ela pensou ter visto seu pai se aproximando dela com um semblante bondoso; então, sorrindo pesarosamente e apontando para cima, os lábios dele se moveram, mas, ao invés de palavras, ela ouviu uma doce música vindo de longe, e, imediatamente, viu as feições dele brilharem com o êxtase leve de um ser superior. A melodia parecia aumentar de volume, e ela acordou. A visão havia ido embora, mas a música ainda era audível como se anjos a cantassem. Ela duvidou, escutou, ergueu-se na cama e escutou de novo. Aquilo era música e não uma ilusão de sua imaginação. Após uma harmonia solene e regular, ela pausou; e começou novamente, com uma doçura lúgubre, até morrer numa cadência que parecia carregar a alma ouvinte até o céu. Ela se lembrou, instantaneamente, da música da noite anterior, com as estranhas circunstâncias relatadas por La Voisin, e a conversa comovente sobre o estado dos espíritos finados a qual ela tinha levado. Tudo que St. Aubert havia dito sobre aquele assunto apertou o coração dela neste momento, e o deixou sobrecarregado. Que diferença em algumas horas! Ele, que então podia apenas supor, agora fora apresentado à verdade; ele mesmo havia se tornado um dos finados! À medida que escutava, ela sentiu um calafrio devido a um receio supersticioso, suas lágrimas pararam; ela se levantou e foi até a janela. Tudo lá fora estava escondido pelas sombras; mas Emily, virando seus olhos da escuridão densa da floresta, cujos contornos balançando apareciam no horizonte, viu à esquerda aquele planeta radiante que o senhor idoso havia apontado se escondendo abaixo da floresta. Ela se lembrou do que ele havia dito sobre ele e, com a música no ar em intervalos, ela abriu o batente para escutar a melodia que, gradualmente, se afastava em uma distância ainda maior, e ela tentou descobrir de onde vinha. A escuridão a impediu de distinguir qualquer objeto na verde plataforma abaixo; e os sons se tornaram mais e mais fracos, e diminuíram até se transformarem em silêncio. Ela escutou, mas não voltou mais. Logo depois, ela observou o planeta tremeluzindo acima dos topos revestidos da floresta e, no instante seguinte, ele mergulhou para trás. Sentindo um calafrio e um receio melancólico, ela foi mais uma vez para sua cama e, finalmente, se esqueceu de sua tristeza, por algum tempo, durante o sono.

Os Mistérios de Udolfo (1794)Onde histórias criam vida. Descubra agora