Capítulo Único

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"Anda logo, menino, que eu não tenho o dia todo. Nessa hora, Tertúlio já deve ter descoberto que eu fugi." E, mais importante, que o dinheiro dele tinha sumido. Como uma última solução para não perder tudo que tinha conquistado em toda a sua vida, Deodora tinha bolado um plano. Chamou Vespertino e seu assistente, aquele tal de Mirinho, porque não tinha ninguém mais sem escrúpulos que eles para a ajudarem, e servirem como potenciais culpados caso fossem descobertos. Sem falar que o homem era o profissional nessa área, trabalhava com agiotagem. Então, os três se uniram para pegar o carro de Vespertino - o de Deodora seria muito 'na cara', e o dono do veículo parecia mais do que contente em mostrar seu automóvel para ela. Poucos minutos depois dela ter saído escondida da fazenda Palmeiral e se encontrado com eles, o grupo estava trazendo tudo o que Deodora tinha pego de sua antiga moradia até o carro, estrategicamente posicionado para uma partida rápida. Bem, na verdade, Mirinho levava tudo.

Pelo menos, aqueles dois eram fáceis de lidar, poderia ter todo o dinheiro para si depois. Nunca que iria dividir a herança dos Tertúlio com o filho bastardo de seu ex-marido, ainda mais agora que o Coronel planejava doar tudo, para que não sobrasse nada. Expulsa de sua casa, sendo deixada de lado até pelo filho, agora ela realmente não tinha nada a perder. Ainda bem que ela sempre esteve um passo à frente de todos eles. Iria pegar aquela fortuna - muito menor do que um dia já fora - e desaparecer de Canta Pedra, em busca de uma vida melhor. Mais uma vez.

A única coisa da qual se arrependia era não poder embarcar uma outra pessoa nessa situação. Pajeú. Claro que ele nunca aceitaria isso; mesmo sendo um jagunço, ele tinha seu código de honra, suas promessas aos santos. E ele colocava Deodora em um pedestal, ela sabia disso, mas era óbvio que Cirino era sua prioridade, e só iria estragar a vida de pai e filho se eles saíssem da cidade. Por mais que negasse, ela se importava com os dois. O melhor a se fazer era sumir. Deixá-los para trás.

"Bora, Mirinho! Levar essas malas tudo pro carro!" Vespertino bateu palmas, com pressa, trazendo Deodora de volta para o momento. Precisavam ser rápidos, antes que os funcionários da fazenda, e quem sabe o próprio Coronel, fossem atrás deles.

"Se ainda tivesse alguém pra me ajudar aqui com esse peso, ainda vai, mas vocês dois só sabem reclamar." O jovem revirou os olhos, carregando as joias de Deodora - porque o patrimônio dos Tertúlio não era só dinheiro físico. Com bastante dificuldade, ele conseguiu colocar as duas malas, cheias de riquezas, e a bolsa com dinheiro vivo no veículo. Limpando o suor do rosto de cansaço, ele respirou fundo, se virando para os dois. "Pronto, a gente já pode ir."

"Agradecido pelo serviço." Veio uma voz de trás deles, seguida por cascos de cavalo contra a terra. Eles se viraram, prontos para verem o Coronel Tertúlio Aguiar em carne e osso, querendo se vingar.

Só que não era o Coronel, e Deodora congelou ao dar de cara com essa pessoa, sem nem saber como reagir.

Por sorte, Vespertino foi mais rápido, dando uns passos na direção do carro e rindo de nervoso. "Pajeú, meu grande amigo! Como vai meu ex-funcionário, que, por sinal, eu pagava muito bem, lembra?"

O jagunço desceu do cavalo, parando na frente do trio. "Eu lembro é de ti me mandando dar cabo em todo mundo que não caiu na tua agiotagem, quase sem me pagar. E nem tente fugir." Ele tirou sua arma do coldre e apontou para eles - isso calou Vespertino, covarde demais para agir. Então, ele se virou para Deodora, tirando um lenço de dentro de sua jaqueta de couro. "Tu esqueceste isso na minha casa. Eu fui levar na fazenda, mas tu tinha ido embora."

Ela se aproximou, erguendo as mãos lentamente na direção do revólver para tomá-la. Se fosse qualquer outra pessoa, ela teria ficado com medo, mas tinha certeza de que ele nunca a machucaria. Nem mesmo agora. "Pajeú-"

The Night We MetOnde histórias criam vida. Descubra agora