Oi, eu sou a Chichi

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Eu nunca fui uma mulher bonita. Na verdade, odeio o meu corpo desde que me lembro. Coxas proeminentes, um enorme bumbum, seios grandes, toda eu sou sou grande. E não me façam falar da barriga... A minha barriga é uma amálgama de banha sem definição, confundindo-se com as minhas ancas, onde o meu umbigo fica totalmente invisível. As pequenas estrias brancas espalhadas pela minha barriga dizem-me que o meu visual já não tem salvação, apenas uma cirurgia plástica poderia ajudar-me a mudar, mas o meu ordenado de socióloga assistente não me permite sequer sonhar. O meu salário na universidade não é péssimo, mas pago imenso pelo arrendamento do meu pequeno T1 na baixa da Cidade do Oeste. Os benefícios de morar no centro da cidade são muitos, não preciso de ter automóvel, por exemplo, desloco-me a pé ou de transportes públicos para todo o lado, ou seja, na minha vida social inexistente, esses locais são a universidade e o supermercado. Ocasionalmente o banco, a biblioteca, ou algum serviço público.

Os meus pais moram nas montanhas e usualmente são eles que me vêm visitar. De vez em quando gostam de ver as luzes e apreciar o ritmo borbulhante da metrópole. Eu cresci nas montanhas e vim tirar o curso de Sociologia na universidade do Oeste, onde, depois de concluir o mestrado, fui convidada para me estabelecer como investigadora e doutoranda, e nunca mais regressei. A cidade adoptou-me, tornei-me parte dela, e a verdade é que é ainda mais fácil para mim passar despercebida no meio de 8 milhões de pessoas que constituem a área metropolitana do Oeste. Gosto disso. De ser anónima, dos meus vizinhos nem saberem o meu nome, de não ser forçada a fazer conversa de circunstância com conhecidos.

A maior parte dos meus colegas são pessoas tão ou mais isoladas que eu. Tenho uma amiga verdadeira aqui, a Louisa, que também trabalha comigo, mas ela é bem diferente de mim. A Louisa é tudo aquilo que eu aspirava ser. Para além de uma académica brilhante, é uma mulher linda e sofisticada. Todos os namorados que ela já teve são altos e bonitos. Apesar disso, de ser tão diferente de mim, a Louisa e eu desenvolvemos uma forte amizade ao longo dos anos, já que ambas entramos como caloiras na universidade, e não conhecíamos ninguém na cidade. Após 3 meses já morávamos juntas, e partilhamos casa até ela casar, há cerca de um ano e meio, numa cerimónia que parecia saída de um conto de fadas.

O que posso eu dizer acerca do marido da Louisa...? O Jiren é um jovem empresário, muito bem parecido, um autêntico gentleman, que a arrebatou no primeiro encontro. Sim, no primeiro encontro deles, Jiren levou a Louisa num passeio de helicóptero. Como não se apaixonar por um homem desses?! Eu não tenho quem sequer me convide para um café... E como é alto o Jiren... E musculado... Sim, o Jiren é mesmo o tipo da Louisa. E a Louisa não tem nada a ver com a imagem nerd de uma académica. Essa sou eu. A Louisa é loira, cabelos com uma ondulação suave e olhos verdes cintilantes. Ao contrário de mim...

Suspiro, em frente ao espelho, ao ver-me em lingeri. Não há lingeri nenhuma que me favoreça, porque simplesmente as grandes marcas de roupa não se interessam por pessoas como eu. Assim como assim, as mulheres como eu também não têm nenhum homem que lhes tire a roupa para apreciar a lingeri, pelo que do ponto de vista de decisão de mercado, não é totalmente descabida. Hoje tenho uma reunião importante com o meu orientador de tese de doutoramento, o mestre Karim, e já decidi que vou vestir um fato preto com uma camisa branca, bem tradicional, como o Karim também é.

A reunião corre muito bem, o mestre Karim mostra-se satisfeito com os resultados da minha investigação. Fico orgulhosa de mim própria porque realmente tenho despendido bastante tempo com este trabalho e sinto que estou a conseguir chegar a algumas conclusões. Sempre adorei o conhecimento académico, é algo que me fascina e entusiasma. Não entendo como existem pessoas que negligenciam totalmente o espectro intelectual e apenas se focam no físico... Na verdade, grande parte da sociedade actual sofre desse mal. Cada vez mais é importante a aparência em vez da substância, e se eu até acho que intelectualmente sou interessante e alguém que vale a pena conhecer, tudo isso cai por terra devido ao meu aspecto. 27 anos, e nunca tive um namorado sério. Sou uma lástima. Para ser o estereótipo da cat lady, só me falta arranjar um gato. Se calhar eu deveria mesmo adoptar um gato... Penso nisso enquanto dou nova trinca no meu hambúrguer XXL com queijo, acompanhado de uma dose extra de batatas fritas com maionese e Coca Cola. Porque é que eu só gosto de coisas que engordam...?! Encolho os ombros e continuo a comer, nunca tive uma relação fácil com a comida... Entretanto, o meu telemóvel toca. É a Louisa. Provavelmente quer saber como correu a reunião.

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