Em minha adolescência, me mudei para o velho casarão da minha avó materna após o falecimento dos meus pais, era uma construção que parecia ter saído de um filme de época, especificamente da Era Vitoriana, o quintal tinha flores e uma estreita estrada de chão batido, as paredes pedregosas eram cobertas por musgos e trepadeiras, além de várias janelas estarem fechadas por tábuas. A minha velha, pálida e grisalha avó de olhos cinzentos estava feliz por me ter perto e passava horas contando histórias de fantasmas e outros seres sobrenaturais como se eu ainda fosse uma criança, ela não parecia notar que eu era uma jovem da ciência e esses contos eram desinteressantes para mim, mas a ouvia para não começar uma discussão.
-As histórias dizem que o primeiro dono dessa casa era um estudioso que se envolveu com magia negra- A fraca e doce voz da minha avó se tornou um sussurro. -Ele se relacionou com um falso anjo para ganhar a vida eterna, mas o padre da época descobriu e fez um exorcismo aqui e o rapaz foi morto por bruxaria.
-Ainda bem que o padre descobriu- Comentei, tomando um gole do azedo chá.
Minha avó assentiu e encerrou a contação de história, eu terminei a bebida e disse que iria ao quarto, menti que estava com sono e me despedi, a deixei sozinha na sala da lareira e subi dois lances da escadaria em forma de caracol, adentrei o simples e pequeno banheiro cinzento para escovar os dentes e depois fui ao meu quarto, que ficava no final do corredor. A antiga e clara mobília me fazia sentir que era uma senhorita da família rica, vesti uma azulada camisola de mangas longas e deitei na larga cama de lençóis cinzentos e dossel de cortina verde. Uma forte chuva começou ao nascer do dia seguinte, depois do café-da-manhã e de uma história, lavei a louça e escutei outro conto, estava cansada de tantas fantasias e menti que iria ler algo, ela me desejou uma boa leitura e eu saí rapidamente da grande e acastanhada cozinha, acabei entrando em um dos inúmeros aposentos do segundo andar e apertei o interruptor, a lâmpada piscou algumas vezes antes de acender por completo, ali era um pequeno escritório, a grande janela tinha somente a parte do vidro fechada e as paredes claras era encobertas por armários de madeira vermelha, havia uma larga poltrona escura e um grande rádio antigo, me aproximei para ligar o aparelho, sabendo que dificilmente funcionaria, mas ele chiou e estralou antes de uma grossa, rouca e sedutora voz masculina sair dele, era como se fosse um cantor baixo de ópera falasse.
-Bom dia, amável ouvinte, a chuva continuará por horas, mas não é ela que fará nosso dia ser feio- Disse o locutor. -Agora acomode-se em algum lugar confortável e feche os olhos, relaxe e permita-me lhe fazer companhia com algumas músicas.
O convite era irresistível, me sentei na poltrona e escorei a cabeça, fechando os olhos e ouvindo a melodia, senti que a conhecia, embora não soubesse de que lugar. O piano soou melancolicamente e os acordes pareciam me inundar com uma imensa tristeza, sentia que perdi alguém amado, mas esse parecia distante demais para que eu recordasse com clareza, talvez fosse o efeito inconsciente das histórias da minha avó, tentei abrir os olhos para me livrar daquela sensação, mas não conseguia e, em poucos segundos, estava em um imenso e brilhante salão, as longas, repletas de rendas e babados e esvoaçantes saias dos coloridos vestidos das mulheres enfeitadas e os trajes escuros, semelhantes a ternos, dos homens sérios preenchiam minha visão, os casais dançavam conforme os acordes alegres do piano negro próximo a parede, um mediano e magro rapaz o tocava, os longos cachos negros estavam presos num rabo-de-cavalo baixo e algumas mechas caíam sobre a testa pálida e as finas sobrancelhas, seus olhos verde-água me encaravam firmemente apesar dos dançarinos que passavam entre nós.
-Dançaria comigo a próxima música?- Perguntou uma voz grave.
-Eu...- Me virei e vi um alto homem de terno militar de cor azul-escuro, o curto cabelo loiro combinava com os botões dourados do casaco e com as ombreiras. -Sim, Sr. Walsh.
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Duologia Amores Mortais (Contos) {SEGUNDA POSTAGEM}
Short StoryO que você escolheria: viver eternamente ou morrer ao lado de quem ama? Nesses dois contos obtemos uma visão de cada uma dessas escolhas. 1- Vida após Vida 2- Ao cair da noite