Os Mil e Um Você (Volume 1)

I

- É uma delícia, você precisa provar!

Desvio da rosquinha que Silver tenta enfiar em minha boca, quase saltando em meu colo para me obrigar a comer. Meu olhar mortífero assustaria qualquer um, exceto aquele pegajoso amigo em meu lado.

- Já falei que eu não como rosquinha de chocolate - retruco, empurrando-o com o dedo para seu lugar novamente. Insatisfeito, volta a se pendurar em mim, empurrando a gordurenta rosquinha em minha direção. - Para, Silver!

Parecendo enfim entender o recado, recuou de volta ao banco, mastigando e mordendo o doce, o olhar pensativo.

Voltei ao meu estado relaxado, observando o trânsito de carros e motos pela rua, o sol começando a desaparecer no horizonte. A sensação de paz de assistir o pôr do sol ao lado de Silver era ótima, e se possível, adoraria sentir todos os dias.

Mas nem sempre este ouriço manhoso estava de folga.

- Tinha esquecido de perguntar antes - quebro o silêncio, fazendo-o me olhar, ainda roendo suas rosquinhas. - É sua semana de folga, mas você sumiu noite retrasada. Eu ia convidar você para assistir um filme comigo, mas você não atendia o telefone, e quando fui na sua casa, os vizinhos disseram que você saiu.

A menção àquilo o deixou curioso, sentando-se de frente para mim, abandonando os doces.

- Fiquei ocupado.

- Isso não responde o que quero saber. - Cruzo os braços sobre o peito, uma expressão investigadora perpassando meu olhar. Silver sorriu.

- Você deveria ser policial. É tão fácil intimidar alguém com esse olhar.

Levantei as sobrancelhas, ainda esperando pela verdade. Derrotado, solta um longo suspiro.

- Ok, é... - Seu olhar vagou rapidamente em volta, o nervosismo estampado em seu rosto. - Eu... Eu estava na... em... no...

- Não acredito! - corto-o, quase gritando. - Você foi num puteiro?! Só pode ser algo muito indecente para estar nervosinho assim.

Aliviado, rindo de um jeito estranho, Silver concordou, falando de forma rápida.

- É! Você acertou! Woah, você me pegou!

Aquele Silver eu não conhecia; ele era famoso por saber intimidar os ladrões, além de conseguir fazê-los sempre confessar seus crimes em um piscar de olhos.

Silver e eu somos amigos desde a infância. Nos conhecemos no orfanato. Ele havia ficado com pena ao ver o ouriço novo do local sendo ignorado por todos e resolveu fazer amizade, e assim acabamos descobrindo sermos mais parecidos do que imaginávamos.

O garoto perdeu seus genitores muito cedo, e foi parar lá alguns anos depois de nascer. Eu, por vez, nunca conheci meus pais, sendo criado desde pequeno por um rapaz muito doce que me acolheu - a namorada dele morreu de ataque cardíaco, e como não queria ficar sozinho, adotou-me diretamente do hospital -, mas que infelizmente acabou sendo morto em um acidente de carro.

Lembro-me bem de que, naquele orfanato, éramos um trio de ouriços: Silver, eu, e algum outro garotinho que não consigo me recordar. A única coisa ao qual me lembro sobre ele era que seus pais e irmão foram assassinados e, por muito pouco, ele sobreviveu. Pelo que recordo, o ouricinho ainda nem havia nascido, e ter sido encontrado e retirado da barriga de sua mãe a tempo vivo foi um enorme milagre.

Um celular a tocar tirou-me de meus devaneios, e assisti Silver atender, completamente ignorante.

- Que foi? - Logo, seus olhos se arregalaram, e um grito escapou de sua garganta. - Tenente, me desculpa! Eu não sabia que era o senhor! Sim, perdão, eu vou começar a ler os nomes antes de atender. Sim, senhor. - O olhei interrogativo, ganhando um olhar aterrorizado de volta. - Mas, senhor, é minha folga... Tudo bem, estou a caminho. Perdão novamente, senhor.

Assim que desligou, desatei a rir, recebendo um tapa no braço.

- Para, eu quase fui morto agora! Enfim - Levantou-se -, preciso resolver uma coisa na delegacia. Vem comigo?

Dou de ombros, concordando.

Frequentemente, não adentrava o local de trabalho de meu amigo, mas nada de melhor tinha para fazer no dia de hoje, então concordei em segui-lo e esperá-lo do lado de fora do local.

Com as roupas despojadas, totalmente o contrário do que deveria estar vestindo, o prateado adentrou o enorme lugar, deixando-me sozinho, encarando a lua, as mãos nos bolsos do moletom vermelho que usava.

A noite tranquila me fez sorrir, fechando os olhos para apreciar a brisa fresca.

Um toque desesperado em meu braço fez-me acordar, olhando o dono deste ao meu lado, arfando.

- Desculpa, você pode me ajudar? Eu não posso confiar nos policiais.

Algo nele me dava nostalgia, mas ainda não conseguia identificá-lo como alguém conhecido.

- Ah... claro. O que precisa?

Retirou do bolso de seu casaco um saquinho, colocando-o em minha mão.

- Por favor, é muito importante. Você precisa guardar isso pra mim. Se cair em mãos erradas, minha vida já era. - Olhei o pacote, notando haver dentro somente um cartão de memória. - Não olhe, por nada! Me diga seu nome.

- Ahn... - Volvi meus olhos ao garoto azulado em minha frente, confuso. - Shadow. Shadow The Hedgehog.

Quando pronunciei isto, algo se acendeu em suas íris esverdeadas, como se eu tivesse dito uma confissão. Por algum tempo, ficamos perdidos no olhar um do outro, mas isso foi logo quebrado, pois, no mesmo tom assustado, continuou:

- Eu vou buscar isso. Mas você só pode entregar se a pessoa se chamar Sonic. Não importa o quanto se pareça comigo, não entregue. Sonic é o único que pode ter isso. Entendido?

Novamente, avaliei o pacotinho, assentindo com a cabeça, ainda em completa confusão.

- Entendido...

Guardei-o no bolso, e assim que virei o olhar ao ouriço, ele havia sumido.

- Volteeeeei! - Silver grita atrás de mim, agarrando meus ombros e pulando em minhas costas. - Que cara é essa?

- Nada... - respondo, indiferente. - Vamos?

O mesmo assentiu, levando-me pela mão até seu carro, onde entramos.

- Você está tão estranho... Tem certeza que não aconteceu nada?

Meus pensamentos estavam longe, vagando mundo afora.

A vontade era de assistir ao conteúdo do cartão junto de Silver, mas as palavras do garoto continuavam se repetindo em minha mente: "Eu não posso confiar nos policiais".