Prólogo: uma estrela cadente.

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Uma imensidão gelada, branca e, inegavelmente, desoladora. Fora esta a primeira imagem que Heizou conheceu, ao abrir seus olhos.

Seu corpo parecia pesado, carregando mais segredos do que ele conhecia, afinal, por que estava alí, naquele local tão solitário? "Heizou. Shikanoin Heizou. Sei que este é meu nome." ele dizia para si mesmo, tentando não esquecer — ao menos — de seu próprio nome. Porém, o que seria de um nome, sem uma história?

As roupas que lhe envolviam eram brancas, tal como o gelo que parecia se estender até onde os olhos enxergavam. Mesmo forçando-os para ver mais distante, apenas nevasca e escuridão o esperavam. Ao olhar para trás, avistava uma pequena estrutura de paredes cinzentas, conservada no meio do gelo.

Seria ali onde ele residia? Com seus passos falsos, caminhou até a estrutura, a qual descobriu ser estranhamente familiar, levando em conta que nem sequer recordava sobre as vestes que usava. Ao parar em frente a porta blindada, esta emitiu uma luz em uma cor esverdeada, que após passar por todo seu corpo, sumiu e logo a porta se abriu.

Dentro da construção estava aquecido, mas continuava estranhamente frio. Como se aquele frio estivesse vindo de dentro de Heizou, e não do planeta de gelo que o cercava. Seus dedos finos, ressecados pelos calos, tocaram toda a superfície lisa das paredes, guiado pela única linha vermelha que cruzava e continuava pelos corredores, até uma porta destrancada, visivelmente aberta.

Por que estavam sinalizando aquela sala? Será que ele que a destacou? Se sim, por qual motivo? Heizou sentia a garganta seca. A sensação de perder algo importante não deixava sua garganta solta, era como um arame, arranhando e rasgando a carne, impedindo-o de falar ou sequer respirar.

Na misteriosa sala, estavam poucos itens:
Uma pequena mesa, tendo sob sua estrutura uma caneta de pena, um pedaço de papel amarelado e úmido, um frasco de tinta preta e uma pequena lâmina.

Do outro lado, junto à parede, um pequeno espelho, com o qual Heizou pode avistar realmente seu corpo, desde que despertou. Como imaginava, ele não conseguia reconhecer os próprios horizontes. Desde os pés, até suas madeixas ruivas, ele parecia um estranho para si mesmo.

E magro. Muito magro. A carne de seu rosto se curvava para dentro de suas bochechas, seus olhos pareciam maiores, esbugalhados, circulados pela cor escura do cansaço e talvez algo a mais. A roupa pendia de seus ombros e só então descobriu que elas passavam de seus pulsos, que tinham uma finura não saudável.

Ele parecia péssimo. Bem, ele não se sentia melhor.

E, para encerrar, existia apenas uma estrutura. Heizou desenhou em sua mente um caixão, e pensou que combinava bem com aquela... "Coisa". Fúnebre, aparentemente fria, sem cor, e que qualquer um preferiria manter distância.

Entretanto, algo despertou o batimento desenfreado do coração de Heizou, que sentiu os olhos queimados e os lábios se abrirem. Sons e sílabas soltas, sem qualquer conexão, foram verbalizadas, roucas e desafinadas, mas ele parecia querer dizer palavras de apreciação àquela estrutura gelada.

Por que ele parecia gostar tanto dela? Foi algo que ele desenvolveu muito carinho? Por que era tão angustiante não se recordar dela?

Suas mãos alcançaram-na, abrindo a cápsula de vidro transparente, que envolvia a estrutura. Inconsciente, deitou-se no leito, fechando os olhos cansados e respirando fundo.

Estranhamente, ele se sentia protegido. As mantas frias pareciam feitas para lhe abraçar, e a porta de vidro se fechou lentamente, mantendo-o selado dentro daquele "caixão", como comparou antes.

Seria agora que a morte o levaria, para caminhar pelas galáxias? Heizou ficaria um pouco indignado se assim fosse, ele nem pode descobrir que lugar era aquele, ou quem ele era exatamente. De qualquer forma, neste momento, ele só desejava dormir e sonhar com o verdadeiro Shikanoin Heizou. Não aquele que congelava junto do frio, da solidão, da confusão e do desolador silêncio.

Uma estrada se ergueu pela escuridão de seus sonhos, feita de gotículas de luz. Heizou piscou duas vezes, sentindo uma brisa sacudir suas roupas e quase o levantar do piso que o sustentava.

Ele estava sonhando, não? Um sonho lúcido. Olhou para suas mãos, perdendo o fôlego ao ver que não estavam mais "apenas osso e pele" e sim pareciam mais cheias, fortes, novas. Suas pernas preenchiam a calça branca, chegando a ficar um tanto acolchoada em seu quadril. A camiseta já não era mais tão grandiosa em seu corpo, e ao tocar seu rosto com a ponta dos dedos quentes, ele se surpreendeu com a maciez de suas bochechas.

Definitivamente, era um sonho. No entanto, mesmo tendo um corpo mais firme, ele ainda não entendia quem era. O vento era estranhamente caloroso, como os braços de uma mãe. Mãe... Ele tinha uma mãe querida? Ele sequer tinha família? As indagações não paravam, conforme ele caminhava pela estrada de luz.

O brilho do caminho lembrava o da lua, em noites de céu aberto: não era exatamente o mais brilhante e chamativo, mas ajudava a guiar quem estivesse cego pela escuridão. Por este motivo, Heizou notou rapidamente uma luz maior se aproximando, cruzando os céus lentamente, como se o universo estivesse segurando cada ponteiro do relógio, o forçando a diminuir a velocidade da passagem das horas, minutos e segundos.

Uma estrela cadente. Heizou sentia que não via há muito tempo.

Ela brilhava imensamente, rasgando os céus e deixando um rastro fino e delicado para trás, como a bainha de um vestido de noiva, feita com bordados de galáxias. Era lindo. Seu coração, agora não mais pesado e nos últimos batimentos, se alegrou com a visão, o fazendo erguer o canto dos lábios, expondo os dentes levemente redondinhos, com caninos mais proeminentes.

Céus, era assim que se sorria? Pois Heizou amou a sensação de querer sorrir.

A estrela cadente parecia sorrir de volta, brilhando mais intensamente, à medida que despejava fragmentos estelares no corpo de Heizou, que girou, com os braços abertos, sem fechar os olhos, com medo de perder cada momento do magnífico espetáculo.

Quando a estrela estava próxima de sumir no horizonte, distante dele, Heizou sentou-se no piso de luz, suspirando com pesar. Ele queria poder ficar com ela por mais tempo. Seu brilho era caloroso, reconfortante. Parecia a sensação de ter um lar.

Como poderia ele compreender que, naquele mesmo instante, o universo mostrara aquela mesma estrela cadente para mais dois "alguém", se nem mesmo entendia sua própria existência?

Stella by Starlight (Heikazuscara)Onde histórias criam vida. Descubra agora