ANTES
Eu estava na praia.
Era para eu estar curtindo o mar, o barulho das ondas, a vida cheia de entusiasmo das pessoas ao meu redor, mas, ao invés disso, eu estava parada na areia, sentada numa cadeira encarando a imensidade da água bem na minha frente e querendo ir até lá e mergulhar até o fundo, até perder o fôlego e meus pulmões encherem de água salgada e eu acabar morrendo.
Era só o que eu queria: morrer.
Não faço a menor ideia de como as pessoas acreditam que eu posso superar a morte do meu marido. Minha melhor amiga, Laura, é uma dessas pessoas. Fico brava toda vez que ela diz "você vai dar a volta por cima, sei disso" ou "Adam ia odiar te ver assim", aí eu faço o que sei fazer de melhor; mandar ela tomar no cu e ela devolve a ofensa erguendo as mãos para cima e falando que vai ficar em silêncio até que eu fale com ela. E eu sempre falo, por que no fim da noite é só ela que eu tenho para falar sobre o Adam, é ela quem escuta a mesma história mais de dez vezes sem me dizer que o disco já arranhou.
Laura não merece isso, sei que não merece. Ela está deixando de fazer muita coisa por minha causa, saindo do trabalho para vir até a minha casa, além de ficar de olho em mim para que eu não faça nenhuma besteira. Na noite passada tomei uns remédios para dormir, mas acordei de madrugada e vi que ela ainda não dormia, estava preocupada segurando — e escondendo — o frasco de calmantes de mim.
Não sei em que momento me tornei um perigo para mim mesma, nem quando passei a precisar de vigília durante o dia e a noite, mas reconheço que estamos nessa a quase dois meses.
Laura cuida de mim, vai até a minha casa, limpa, cozinha, lava e passa e no fim do dia ainda está ali me ajudando a secar as lágrimas. Ela não diz quando estou sendo uma cuzona, mas nem precisa, eu sei reconhecer esse lado meu quando estranho a minha própria voz e peço internamente para me calar. Odeio meus pensamentos, o buraco que Adam deixou em mim desde que foi atropelado por um carro quando saía do trabalho. O motorista alcoolizado não morreu, sofreu uns ferimentos, mas ainda vive para contar história, o que me aborrece ainda mais.
Meu marido morreu e o cara responsável pela morte dele está vivo. Bem vivo. Adam foi cremado como os pais dele queriam, as cinzas não ficaram comigo, ficaram com eles, e tudo bem. Eu digo e repito o tempo todo que está tudo bem, que não me importo deles terem as cinzas do meu marido, de terem aquilo que restou — tudo o que restou dele —, só que no fim da noite nada está bem. Eu ainda choro pelo mesmo motivo; por que Adam se foi e eu estou aqui, por que quinze anos de casamento nunca pareceram tão pouco quanto agora e por que eu queria mais quinze anos ou quinze dias ou quinze minutos.
Ou quinze segundos. Só para ter a chance de dizer que o amo pela última vez e ouvir ele me dizer o mesmo de volta.
Adam foi tirado de mim. E eu nem pude dar um filho a ele, deixar que ele ainda vivesse comigo. Não foi por falta de tentativas, tentamos muito, por muito tempo, mas o problema sempre foi o meu útero de merda. Eu não posso engravidar, então nunca tivemos esperanças quanto a isso, mas eu tinha, sempre acreditava naquele 1% que podia ferrar com os 99% e jogar toda a medicina e suas estatísticas no ralo.
Eu teria adorado engravidar dele, vê-lo sendo pai. Adam seria um pai incrível. Seríamos uma família e, se eu tivesse sido capaz de engravidar e o destino dele ainda fosse o de ser atropelado e tirado de mim por um irresponsável que não respeita as leis de trânsito, então eu teria um pedaço de Adam comigo e sentiria que ele ainda estaria aqui e não do lado espiritual onde eu não posso vê-lo e nem ouvi-lo.
Quando ele morreu, eu costumava sentir a presença dele comigo o tempo todo, pelos cantos, pelos cômodos, em tudo. Mas isso passou depois da cremação, não sei se foram só os meus sentimentos e o luto falando mais alto que a razão, mas eu podia jurar que ele estava lá segurando a minha mão, secando as minhas lágrimas, me fazendo companhia.
Agora eu não o sinto mais. Ele não está mais aqui.
Não está em lugar nenhum.
Isso dói pra caralho.
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Mandou bem, Carrie. É isso aí! (Romance sáfico)
RomanceDepois de perder o marido em um trágico acidente, Carolina vê a vida dela despencar e chega a conclusão de que pode viver sozinha para sempre. Sete anos depois, a sua melhor amiga a convence a baixar o Tinder. Lá, ela conhece uma jogadora de League...