ALÉM DA FRONTEIRA

19 5 0
                                    

Sentiu sua respiração falha ser rebatida em seu próprio rosto pelos escombros a qual estava soterrado. Despertado por um estreito raio de luz entre as rochas e madeiras que invadia sua pálpebra esquerda, Hitori tentou levantar-se, mas sem sucesso. ­

— Socorro! — Tentou gritar, mas a sua voz era abafada pelo minúsculo espaço. Foi quando teve a certeza de que estava preso. Não conseguia mover sequer um de seus membros, todos pareciam dormentes; estavam sem resposta. Sua fraqueza era intensa o bastante para o impedir de continuar tentando, então apenas fechou seus olhos novamente, na esperança de qualquer milagre que possa o tirar daquela situação.

O garoto não possui uma natureza determinada, sequer sente que há de ser imbatível de algum modo, muito pelo contrário, o que mais domina Hitori se trata de sua insegurança e de seu medo. Ainda assim, o desejo de entender o que havia acontecido contornava todo seu caráter, o que por consequência lhe trouxe uma ideia.

Mesmo que não fosse tão hábil com sua magia, Hitori ousou tentar de uma tática peculiar; concentrou toda a sua força em seus dedos, que ainda não se moviam, mas que foi o suficiente para ascender uma forte a luz sobre a rocha mais próxima de seu indicador. Utilizou disso para alertar quem talvez estivesse nas redondezas, e que por sorte visse aquele pedido de socorro. Por cerca de meio minuto o garoto permaneceu reluzindo aquela rocha, até que foi obrigado a parar por conta da fadiga.

Com os olhos entreabertos Hitori aguardou com uma cega esperança por qualquer tipo de ajuda, mesmo que sua mente constantemente lhe pressionasse à pensar na realidade pessimista.

Quase desacordado, o garoto se encontrava num estado de pensamentos mórbidos, tomado por suas próprias reflexões, que lentamente sequestrava sua consciência. Até que de repente aquela pequena brecha de luz se tornou uma iluminação tão intensa que seus olhos arderam, o obrigando a apertar suas pálpebras. Tudo o que podia ver era uma silhueta desesperadamente tentando remover os escombros de seu corpo. Alguém finalmente apareceu para o salvar. O garoto escutava uma voz abafada e ecoante gritando o seu nome, e mesmo que a silhueta estivesse tão perto, sua voz era extremamente distante. Após um segundo de alívio, o garoto acabou por desmaiar.

Lentamente abriu seus olhos, desnorteado com a situação, o garoto levantou seu tronco o mais rápido que pôde. Olhando ao redor, Hitori imediatamente reconheceu o lugar onde estava; era a sua casa. Saiu do sofá com um pouco de dificuldade — visto que ainda estava com seus braços e pernas um pouco dormentes — e começou a caminhar sobre a sala. Tudo naquele cômodo estava no lugar, como se nada tivesse acontecido.

Veio em sua mente o pensamento de todo aquele acontecimento anterior não se passar apenas de um sonho, o que lhe trouxe um breve alívio. Correu em direção a cozinha e olhou direto para a mesa, onde seu tio Frieden costumava organizar as sementes para o próximo plantio, mas para a sua surpresa ele não estava lá, todavia aquilo não foi o suficiente para desfazer o seu pequeno sorriso, então se dirigiu o mais rápido que pôde para o escritório de sua tia Karie, que comumente estava no cômodo para escrever o seu livro, porém...

Ela também não estava.


Seu coração começou a disparar, era estranho não ter ninguém em casa. O desespero rapidamente voltou a tomar conta, até que o garoto decidiu sair de casa com o objetivo de encontrar qualquer outra pessoa nas ruas de WaterHill. Tomado por uma angustia torturante que o impedia até de respirar, Hitori virou a maçaneta da porta principal, que se abria lentamente por conta do vento, provocando um barulho ensurdecedor de madeira velha.

Tudo estava um caos. Tudo.

O que Hitori mais temia havia acontecido de verdade; WaterHill estava completamente devastada. O pouco das casas que haviam restado estavam descontruídas. As estreitas lacunas entre os ladrilhos transbordavam sangue fervente, que se assemelhavam a lava escaldante. Mesmo utilizando botas com solas espessas, o pequeno garoto podia sentir o fervor do chão, que o impedia de ficar parado. Perante àquele cenário, de todos os horrores que o jovem presenciava, o maior questionamento que lhe veio foi o fato de que estranhamente não havia sequer um corpo no chão, como se todos tivessem simplesmente desaparecido.

Alma BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora