Capítulo 3

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"Quem quiser praticar sempre a bondade em tudo o que faz, está fadado a sofrer, entre tantos que não são bons."

Maquiavel, O Príncipe.

Me inclino na cadeira para avaliar com atenção as fotos de um cadáver muito bem torturado. A sala em que estou me lembra muito um cenário de um típico filme de família tradicional Americana. Não sei se essa mulher é realmente inocente, ou somente burra demais ao me trazer para a sua verdadeira casa. Uma pessoa com um pingo de noção marcaria de me encontrar em um local público, bem distante de sua verdadeira casa.

A mulher que me ligou mais cedo, mordisca nervosamente suas unhas enquanto me observa, o que a deixa levemente irritante.

-Então, fui chamada apenas para observar essas fotos ou você vai abrir a merda da boca e me contar o motivo de ter me contatado?-Pergunto impaciente enquanto a vejo se encolher, a cada minuto que passo dentro dessa casa que cheira a biscoitos, mais me sinto incomodada.

-Esse homem era o meu pai, ele foi morto em uma viagem de negócios e eu quero que encontre o assassino pra mim.-Diz de forma rápida antes de engolir em seco, temerosa por minha presença. Finalmente a mulher com profundas olheiras resolveu falar. Olho com mais cuidado as fotos.

-Me conte mais.-Digo respirando profundamente. Pego novamente uma das imagens e volto a encarar todos os detalhes da mesma. Geralmente não costumo viajar para muito longe, mas algo no olhar da mulher faz com que eu dê uma oportunidade para que a mesma me faça a sua proposta.

-Eu não sei de muitas coisas, só sei que ele foi para outro país e um dia após ele chegar lá ele foi morto.-Diz deixando com que as primeiras lágrimas escapem de seus olhos. Olho essa cena com uma carranca. Não gosto de ver pessoas que choram, nunca sei como agir.

-E quem não te garante que ele foi apenas uma vítima de um assalto ou alguma merda do tipo?-Pergunto entediada, vendo como a mesma desvia seus olhos dos meus, a dor presente nos mesmos é tão grande que faz com que por um momento eu engula em seco.

-Ele estava envolvido com alguma coisa que não quis me contar antes de partir, eu me lembro da forma que ele se despediu de mim, ele estava envolvido com alguma merda grande que o levou a ter esse destino, e é exatamente isso que eu quero que você descubra.-Diz com a voz embargada.-Eu quero que descubra o porquê mataram meu pai e que negócio era esse. Eu preciso saber.-Diz em um sussurro sofrido. Sei reconhecer quando uma alma está terrívelmente quebrada e a mulher a minha frente com certeza é uma dessas almas.

-Tem alguma informação relevante sobre o assassino?-Pergunto pondo a foto em cima da mesa, antes de começar a estalar dedo por dedo de minhas mãos.

-Meu pai foi morto por um assassino contratado. Um assassino que há muito tempo está sendo procurado pela polícia.-Diz enxugando uma de suas lágrimas.-Como pode ver nas imagens, os cortes foram limpos ao ponto de não ser possível descobrir nem mesmo com o que ele foi morto, só se sabe que foi um objeto cortante. Os policiais não conseguiram achar nenhum rastro de DNA ou nenhuma pista que levasse a um possível suspeito, a única coisa que os levou para uma direção, foi o fato de meu pai apresentar o mesmo padrão de ferimentos e o mesmo padrão de morte que essa pessoa deixa em suas vítimas.-Ponho minha cachola pra funcionar enquanto volto a estalar dedo por dedo de minha outra mão, caçar alguém como eu? Isso está realmente se tornando perigoso... E interessante.

-Então você quer que eu o encontre e o interrogue sobre o motivo dessa merda toda?-Pergunto vendo a transformação de seus olhos, um profundo ódio é visto e isso me faz sorrir. Amo o quão volátil uma pessoa é quando está de luto.

-Eu quero que você o torture até que ele implore por sua vida e depois quero que quebre as pernas do maldito mandante disso e o prenda até que eu mesma vá para lá e acabe com a vida dele.-Diz de uma forma raivosa que me faz sorrir divertida, uma coisinha dessas não aguentaria nem mesmo ver um corpo extremamente ensanguentado sem vomitar. Porém dou um ponto por sua força de vontade.

-E para onde eu teria que viajar?-Pergunto entediada, entreolhando a foto e a coisinha a minha frente.

-Itália.-Sinto meu coração dar uma leve acelerada antes do meu sorriso morrer, qualquer rastro de diversão se esvai de meu corpo antes de eu colocar as imagens na mesa.

-Não.-Digo me levantando da cadeira, nem que me pagassem o triplo do que eu cobro eu iria pra essa merda de lugar. Vendo o meu semblante sério, a mesma se levanta rapidamente da cadeira e consegue me alcançar quando já estou perto da porta. Meus olhos se arregalam antes da minha respiração ser cortada quando sua mão me toca.

-Por favor, eu te imploro! Eu pago tudo o que for necessário, eu te pago o dobro, não, o triplo! Mas por favor.-Diz segurando meu braço. Sinto um clique em minha mente, fazendo com que eu haja em modo automático e antes que eu perceba, eu a arremesso longe. Um grande barulho é ouvido quando a mulher cai em cima da mesa de vidro, ela chora com dor e droga, tento me controlar.

-Não.me.toque.-Digo entredentes, sentindo meu corpo estremecer.-Pelo seu bem eu espero que você nunca mais apareça na minha frente, caso contrário você vai se encontrar com o seu querido papai, mas garanto que não antes de sofrer um inferno nessa terra.-Digo vendo como a mesma cai no choro e merda, me sinto miserável.

-Mamãe?-Pergunta uma voizinha fina atrás do vão das escadas. Grandes olhos me encaram em um rosto pequeno e inferno, me sinto uma maldita quando a criança encara aquela cena, de sua mãe em meio a milhares de cacos de vidro, com parte dos braços cortados e ensanguentados.-Mamãe!-Diz a pequena menina em lágrimas ao tentar ir de encontro a sua mãe, rapidamente a impeço ao pegá-la no colo.-Me solta! Eu quero minha mãe, eu quero minha mãe!-Diz a criança sendo facilmente imobilizada em meu colo. Já me sinto um lixo por tê-la feito presenciar isso, deixá-la se machucar nesse piso cheio de vidros não está nos meus planos.

-Se acalma filha! A mamãe escorregou e caiu, mas vou ficar bem.-Diz a mulher com um falso sorriso para a criança que agora se agarra a mim e chora ao ver sua mãe machucada.-Você é minha última esperança.-Diz em lágrimas.-Por favor eu te imploro, pode me bater mais se quiser, mas por favor.-Diz juntando as mãos enquanto apenas a encaro com o semblante sério.-Eu não tenho mais paz desde que tudo aconteceu. Eu perdi a única pessoa que cuidou de mim e de uma forma cruel demais. Eu não durmo desde que descobri sobre a morte dele. Eu preciso disso para enfim descansar em paz.-Diz caindo mais e mais em lágrimas.-Eu tentei contratar outros, mas todos eles me deram um golpe e grande parte do meu dinheiro se foi dessa forma. Por favor, eu te imploro.-Diz me olhando com tanta tristeza que me faz contrair os lábios. Vários pensamentos se passam por minha mente antes de eu respirar profundamente, são tantas malditas lembranças, tantas e tantas.

-Eu... Não posso.-Digo em um sussurro. A ideia de ir para aquele lugar me embrulha o estômago. Liberto a criança de meu aperto e me surpreendo ao ser abraçada pela mesma.

-Por favor tia, a minha mamãe tá sofrendo.-Diz a mesma me fazendo engolir em seco, que droga!

-Ela e o avô eram muito apagados antes de tudo isso, desde a morte de meu pai ela não come bem e mal dorme, eu... Entendo, eu realmente entendo. Mas eu te imploro, te imploro para que me ajude. Eu preciso disso para seguir em frente. O meu pai era o homem que nos inspirava, era o homem que a minha filha se espelhava.-Respiro fundo ao sentir o aperto dos pequenos bracinhos mais fortes em meu pescoço, o cheiro de perfume de criança invade meu coração antes de eu a abraçar de volta.

-Eu faço isso.-Digo por fim, vendo o rosto da mulher se iluminar, a criança me liberta de seu abraço antes de me dar um sorriso banguela que aquece algo dentro de mim. Não odeio crianças, só não sei como lidar com elas.-Vou encontrar o homem mau que tirou o seu avô de você.-Digo vendo como a criança, em sua inocência, sorri animada. Ela provavelmente me encara como uma grande heroína que irá pegar o grande vilão. No fundo, fico feliz por ter feito essa criança parar de chorar.

 Desejo Profano  (Trilogia Os Irmãos Lancelotti)Onde histórias criam vida. Descubra agora