Capítulo 1 - Felipe Nobelo

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Precisava mudar.

Depois de doze horas de trabalho árduo com as gravações dos novos episódios da Turma do Leco, tirei a tinta que cobria o meu rosto e tomei um banho quente e demorado, com esse pensamento. Precisava mudar, algo dentro de mim parecia estar se perdendo.

Amava crianças. Minha profissão de ator, que logo seguiu para o lado infantil nasceu de uma realização pessoal"". O que não percebi foi que toda a minha vida direcionou para esse lado, o mundo lúdico, público infantil e coisas inocentes. Do fofo aos sons agudos, minha vida profissional era sobre sorrisos e ingenuidade.

Eu estava me perdendo e precisava mudar. O momento que percebi que algo estava errado aconteceu quando meu irmão enviou um vídeo pornográfico aleatório, por mensagem de celular, e não senti... nada. Por impulso, quase excluí, preocupado demais se alguém poderia ver e me julgar, ou pior, confundir meu lado homem com o ator infantil. Antes de apertar o botão de exclusão, compreendi que poderia estar ofuscando uma parte minha.

Quando tinha sido a última vez em que fui a um barzinho aproveitar a noitada? Ou mais simples ainda, em que momento eu deixei de curtir meus trinta anos? Era jovem, caralho, não tinha idade e nem motivo para virar celibatário.

Necessitava de discrição? Claro. Os últimos encontros que tive foram com profissionais do sexo, algo que não me agradou em nada. Queria paquera e conversa jogada fora ao mesmo tempo que necessitava fazer parte de uma putaria, sem pudor ou restrições.

O meu lado homem no ápice da sua juventude duelava com o profissional que só pensava no melhor para as crianças.

Saí do banho e me vesti em busca de uma solução para o desânimo que estava querendo me dominar. Teria uma semana de folga das gravações, tinha alguns compromissos para dublagem e participação especial em alguns programas, algo que não afetaria meu descanso. Apenas um detalhe, não estava disposto a sossegar em casa assistindo televisão, como normalmente fazia.

Conferi no espelho se toda a maquiagem havia saído do rosto e ajeitei a camisa dentro da calça jeans. Não era a roupa ideal para sair, mas teria que servir para o momento.

— Que cara é essa, Felipe? — meu amigo e agente questionou sentado no sofá dentro do meu camarim.

— Estou cansado, mais ainda de ficar bitolado com o mundo infantil. — Não precisava medir palavras com ele, nunca fui e nem seria julgado pelo meu desabafo. Eu amava o meu trabalho, estava no limite. Olhei-o com desespero. — Preciso fazer algo que apenas maiores de dezoito anos podem fazer.

— Ou seja, foder. — Ele se levantou sorrindo e foi até a porta do camarim para que fôssemos embora. Passava da meia-noite, era o momento ideal para iniciar a vida noturna. — Deixe para outro dia. Você parece ter sido atropelado por um caminhão.

— Não me importo, só preciso equilibrar as coisas. Também sou homem, porra! — resmunguei baixo antes de sair e seguir pelo corredor até a saída do estúdio.

Pelo caminho, despedimo-nos de vários figurantes e profissionais que trabalharam conosco. As crianças tinham ido embora assim que o sol se pôs e o resto das gravações foi apenas onde eu aparecia.

Sentia um grande orgulho pelo meu trabalho, que no momento, estava sendo manchado pela minha falta de atenção a mim mesmo.

Entramos no meu carro esportivo, comigo dirigindo – claro – e o som do rádio baixo o suficiente para preencher o silêncio que nos cercava. Morávamos no mesmo prédio, meu salário podia bancá-lo para ser meu agente exclusivo. Como o personagem Leco tinha sido criado por mim, ganhava muitos royalties pelo uso dele em vários produtos, inclusive pela emissora que filmava os episódios do programa.

Como Paulo gostava de curtir a noite e viajar, trabalhar para mim era uma mina de ouro.

"Em qualquer lugar, você quer ir

Em qualquer lugar o vento sopra

Sempre pensei que você nunca saberia

No meio da luz do sol

Perdido na luz das estrelas

Qualquer lugar ou qualquer momento"

Blacktop Mojo – Where The Wind Blows

Precisava mudar! Não voltaria para casa sem ter, pelo menos, beijado uma boca voluntariamente. Bastava de pagar por prazer.

— Aonde você vai hoje? — questionei guiando o carro para o centro, onde os bares e pubs ficavam.

— Sério, cara. Vá para casa, descanse e amanhã vamos começar os trabalhos cedo, com muita mulherada e discrição. Não são todos que te conhecem como o Leco Peteco, mas não seria bom alguém te relacionar em uma foto com cigarro, álcool ou curtição desenfreada.

— O meu desespero não está preocupado com a notícia no jornal amanhã, sobre o personagem infantil envolvido com uma mulher. Eu também sou homem, porra!

— Mais de um palavrão dito em menos de uma hora, algo realmente está errado com você.

— Claro que sim.

— Mas sou seu amigo e agente, então, preciso pensar pelos dois. Não adianta ficar desesperado. Resolva isso na punheta hoje, Felipe.

— Como, se nem um vídeo pornográfico está me excitando? — Parei o carro no semáforo e bati as mãos no volante com frustração. Era foda assumir algo tão íntimo em voz alta.

Virei-me para o lado e percebi que Paulo estava olhando para o celular. Por um momento, orei para que a música tivesse abafado minhas palavras e ele não tivesse escutado, esquecendo o que estava perturbando minha mente. Porra, eu precisava de um tempo só para mim e o desespero não era meu amigo no momento.

— Vamos para casa — murmurei e virei a esquina, a fim de seguir para casa.

— Achei! — ele falou e apontou para o para-brisa. — Volte para a avenida, achei o lugar perfeito para você e sua falta de tesão. — Ele bateu no meu ombro com camaradagem e fiz o que pediu, curioso com sua solução para o meu problema. — É compreensivo que enquanto você estiver trabalhando, não haja tesão, no sentido indecente da palavra. Sei que gosta do que faz, da interação com as crianças, a alegria que proporciona a elas e todos os envolvidos. Mas passou muito tempo nisso e se esqueceu do homem Felipe Nobelo.

— Diga algo que não sei, gênio. — Tentei espiar a tela do seu celular e não vi nada. — Para onde vamos?

— Casa Madona, o lugar perfeito para você se redescobrir.

***

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