A Casa de Meninas Caligineus
Em 1982 não há muito a decorrer pelas casas, apenas quartos a serem limpos, corredores esfregados, raparigas espancadas e aulas de etiqueta. A Sr.Cortez adorava manter as aparências, além disso geria a melhor casa de raparigas na época, a única coisa em falta, os cuidados. Era aqui que as almas perdidas de raparigas órfãs vinham parar, e muitas não saiam, a cave era inédita, mas à noite podíamos ouvir os gritos, as vozes percorrerem os corredores, o medo a entranhar-se nas paredes, algumas de nós escondiam-se nos lençóis com medo de serem a próxima, outras tapavam os ouvidos, eu e a Mia? Bem nós somos um pouco diferente, dormir não é algo comum para nós as vozes nas nossas cabeças não eram do tipo silencioso, o medo, a angústia, o segredo escondido dentro de nós, levava-nos a horas a fio a olhar uma janela pela noite fora. Às vezes a Mia acabava por falar sozinha, algo me prendia aquela floresta, a imagem de arvores secas, o vento, os velhos brinquedos espalhados pelo relvado escurecido, ou apenas o vulto, uma jovem rapariga, cabelos curtos diria eu, claros, pele clara, a sua roupa? Apenas uma camisa da noite, seu corpo cobria-se de... parecia sangue mas quando ela se afastava o suficiente da escuridão, o sino da manhã tocava, despertada por este som, meu corpo sobressaltava minha cabeça encarava rapidamente a porta do quarto, para num respiro, rápido, e preocupado, voltar a encarar aquela janela procurando por entre os galhos, por entre as árvores aquela rapariga novamente.
De manhã, teríamos de vestir as fardas, uns asquerososvestidos cinzentos um avental branco, fazer a cama e deixar o quarto em ordem,pelas 8h o pequeno almoço seria servido, posteriormente educação, almoço,tarefas e por fim terapia, as nossas consultas variariam pelo nosso"diagnóstico" grupo, ou individuais, eu tenho consultas individuais, as horasna cadeira da Sra.Mendes ou devo dizer Doutora, todas escondemos as nossasdores, as nossas lágrimas, para sobreviver à que saber disfarçar, uma lágrimanão deve ser derramada, os métodos medicinais da Dra. Devem ser questionados.Eu limito-me a sentar-me por lá na cadela horrorosa cadeira, parece cliché, masaquela cadeira de couro acastanhada, o chão de alcatifa verde que se unia asparedes de cor bege, que debatiam-se com as inúmeras estantes preenchidas delivros, dossiers e tudo o que por lá houvesse, a doutora costumava dizer quecada página daquele gabinete contava uma história, e todas nós queríamos sabero que a nossa dizia. A secretaria dela deparava-se com a porta a metros dedistância, deixando-nos de costas para uma possível emboscada, mas encarandouma grande janela por detrás dela... É estranho pensar que não sabemos a quempertenceram as camas onde dormimos, ou os choros que ouvimos, as mãos quetocaram nas paredes, os passos que ecoaram nos corredores antes de nós. ADoutora odiava a nossa curiosidade, no entanto, eu tenho demasiadas sombras àminha volta para não saber.
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Mantém-te Vivo
Mystery / ThrillerA história de uma rapariga a fugir da loucura da escuridão! A sombria dor, o peso de uma companhia constante, as vozes, os gritos. Uma jovem tenta fugir a assombração de um hospício enquanto, luta pela sua vida nas mãos de um médico louco.M Será que...