PARTE TRÊS

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Fanny e John


Aguardo-a onde tudo começou.


Fanny encontrou o papel em cima da sua secretária, mas suficientemente escondido para que passasse despercebido. Ainda que Gerard não fosse mais vivo, Fanny não podia arriscar ser vista com John. A relação de ambos tinha de permanecer em segredo. Já bastara todos os escândalos que o falecido provocara – alguns tão grandes que as consequências continuavam a atingi-la. Mas, desde que o filho continuasse alheio a tudo isso, não se importava. Ele era a pessoa mais importante da sua vida e faria de tudo por ele.

Com a desculpa de desanuviar um pouco a cabeça, Fanny saiu de casa e dirigiu-se ao jardim. Conhecia o caminho de olhos fechados de tantas vezes que o percorrera. E de todas elas sentia borboletas a levantarem voo dentro de si como se permanecesse a jovem ingénua de outrora.

À medida que se aproximava, ficava ainda mais nervosa. John dava-lhe amor de uma forma que já não esperava encontrar. Longe iam os tempos em que acreditara que a fortuna e as joias bastavam para a fazer feliz. No fundo, sempre soube que isso não bastaria. Tentara enterrar o romantismo que herdara dos pais, mas claramente isso não resultara.

John escondera-se atrás de uma árvore, tal como já fizera anos antes. Tudo começara naquele banco, por isso, não havia melhor forma de celebrar o amor que os unia. E, para bem da sua ansiedade, não teve de esperar muito. Fanny acabou por aparecer alguns minutos depois, fazendo os possíveis para permanecer escondido atrás da árvore.

Quando ela se aproximou do banco de pedra e reparou na folha de papel dobrada, olhou em volta e sorriu. Ignorando a presença dele, sentou-se e desdobrou-a.

À medida que ela lia o papel, notava-se que saboreava cada palavra que ele lhe escrevera, cumprindo precisamente a intenção que o mordomo tivera.

John continuou a observá-la, sorrindo ao vê-la reler várias vezes seguidas a carta que lhe deixara, como se tentasse decorar as palavras dele. O coração estremecia de cada vez que a olhava e que confirmava a reciprocidade do amor que sentia por ela. Aquela mulher amava-o tanto como ele a amava e não havia qualquer dúvida quanto a isso.

Incapaz de permanecer longe de Fanny, o mordomo saiu de trás da árvore e aproximou-se lentamente para não quebrar o encanto do momento.

Colocando-se atrás dela, John pousou as mãos nos ombros de Fanny e depositou-lhe um beijo no cabelo, absorvendo o cheiro a sabonete de jasmim – o preferido dela e, por conseguinte, o dele também.

Com uma das mãos ainda no ombro dela, John contornou o banco de pedra e sentou-se ao lado da mulher que lhe roubara o coração logo no primeiro instante em que a vira.

Ainda que ninguém os observasse, o mordomo manteve-se a uma distância segura, pois não queria pressioná-la nem impor-lhe a sua presença. No entanto, Fanny aproximou-se e aconchegou-se junto a ele.

− Nunca imaginei encontrar o amor da minha vida na viuvez.

− O amor está ao alcance de todos, desde que o coração esteja recetivo.

− Só agora percebo isso... Se o tivesse feito mais cedo, teria sido poupada a uma vida fria e repleta de escândalos.

− É hora de olhar para o futuro e não para o passado. E é no futuro que prometo amá-la com todo o meu coração. – Pegando na mão de Fanny, John beijou-a e levou-a ao peito para lhe mostrar o quão frenético batia esse órgão por ela.

E Fanny copiou o gesto para que também ele sentisse o seu coração e para que visse que era correspondido em igual medida.

Incapaz de resistir à tentação que era tocá-la no peito, o mordomo puxou-a para um beijo tórrido... daqueles que costumavam partilhar clandestinamente e nos cantos recônditos da casa.


Fevereiro 2023

Um dia muito especial (Um conto do livro O outro lado do coração)Onde histórias criam vida. Descubra agora