Os Mil e Um Você (Volume 1)

IX

Havia recebido uma mensagem de Silver afirmando que já estava no local de espera, e com isso, ordenei a Sonic que se apressasse no calçamento de seu sapato. O azulado cismou em vir até minha casa, querendo desesperadamente o pé do seu tênis que esqueceu-se de levar da última vez. Como um bom - e esquecidíssimo - namorado, nem ao menos recordava onde exatamente deixei o objeto, tendo de passar horas procurando por todo o quarto. Quando enfim encontramos, a hora de ir já havia chegado, e mal tivemos tempo para nos ajeitarmos.

Enfim saindo do cômodo, Sonic sorriu de uma maneira fofa para mim, aquele ar irresistível exalando de si. Apaixonado, me neguei a sair até receber ao menos um beijinho de sua parte, o coração aquecendo quando ganho o que desejava.

A praça não era distante, e a curta caminhada fez-nos muito bem. Andamos juntos, as mãos entrelaçadas, apreciando a brisa e o aroma chuvoso de mais um dia nublado. Não demorou para nossos pés finalmente alcançarem nosso destino, e ao longe, já pude avistar Silver, as costas recostadas em uma árvore enquanto mexia distraidamente em seu celular.

Após contar a Sonic que havia avistado meu amigo, passou a se portar de maneira tímida, as bochechas ruborizadas e o olhar temeroso. Ansioso demais para esperar, corri na direção de Silver, arrastando atrás de mim um Sonic confuso e risonho, ainda mais tímido conforme nos aproximávamos do prateado.

- Silver! - berrei, atraindo sua atenção. Largando o aparelho, abriu um enorme sorriso, contagiado por minha alegria. Quando enfim cheguei, paro em sua frente, recuperando o fôlego por apenas um momento, soltando de uma só vez: - Eu quero te "reapresentar" meu namorado, Sonic!

Dito isto, puxei Sonic detrás de mim, deixando-o cara a cara com Silver. O sorriso que havia em seu rosto murchou instantaneamente ao ver o ouriço azul, e o semblante tímido de Sonic só pareceu aumentar. Por muito tempo, apenas o silêncio ficou presente, os dois garotos se encarando de um jeito extremamente estranho.

Cansado de esperar por um pronunciamento, resolvo arriscar a fala, mas Silver é mais rápido.

- Sonic? Como você... Wow! Não, não faz sentido!

Rindo nervoso, pediu por um momento, virando-se de costas para nós. O ato não durou muito, e quando retornou sua visão a nós, o sorriso já estava de volta em seu rosto.

- Quanto tempo, Sonic!

Meu namorado abraçava a si mesmo, visivelmente desconfortável. Não conseguia compreender a razão disso; sua mudança repentina de comportamento me era estranha.

Percebendo a demora para responder, Silver tentou encorajá-lo, passando um braço em torno de seus ombros.

- Vamos lá, diga alguma coisa! O gato comeu sua língua? Ou melhor dizendo, o ouriço? - Lança-me um olhar sugestivo enquanto falava, e reviro os olhos diante de tal ato, compreendendo o que dizia.

Não demorou para que Sonic melhorasse, se soltando mais à medida que o tempo passava, vez ou outra rindo de bobagens e piadas que Silver contava. Mesmo assim, ele preferia ficar sempre ao meu lado, tocando em mim de alguma forma, o que deixava-o mais seguro.

Em alguns instantes, notei as esquisitas encaradas que Sonic dava em Silver, nada muito acolhedor, mas demonstrando bastante vulnerabilidade. Isso deu-me uma dúvida cruel sobre o orfanato: teria o prateado feito algo com Sonic naquele tempo que ele ainda não superou?

O dia passou rápido ao lado daqueles dois, e eu agradecia mentalmente por tudo ter dado certo, mesmo de uma maneira bem anormal.

Enquanto estávamos sentados em um banco colorido ainda na praça, assistindo o sol se pondo ao longe, mesmo com os prédios atrapalhando um pouco nossa visão, quebrei o silêncio com um sussurro que, por estar entre os dois, foi fácil de se ouvir.

- Fico muito feliz que tenhamos voltado com nosso trio de amigos.

Sonic deitou a cabeça em meu ombro, e Silver apertou minha mão.

Para a surpresa de todos, meu melhor amigo soltou algo que nos pegou desprevenidos.

- Por que justo o Sonic?

Tanto a minha atenção quanto a de Sonic foram chamadas, virando nossos rostos para Silver, que nem parecia perceber o peso de suas palavras.

- Porque eu amo ele. Eu sempre dizia isso pra você no orfanato, sempre deixava claro o amor que sentia por ele.

Ele continuou olhando o nada, aparentando como uma criança perdida.

- Mas já fazem tantos anos. Achei que tivesse superado, seguido em frente. Eu nunca esperei que ele fosse reaparecer agora e roubar seu coração mais uma vez.

E então eu entendi: Silver estava com medo, talvez até ciúmes. Fomos só eu e ele todo aquele tempo, aprendemos a dividir um espaço para nós e nos acostumamos a viver em dupla. Mas, agora, Sonic estava de volta, e ele temia me perder para o mais novo, mesmo que já tenhamos uma amizade feita de anos.

- Isso é ciúme, Sr. Silver? - questionei zombeteiro, os olhos de Silver finalmente encarando os meus.

- Não é ciúme. - Mesmo afirmando não ser, sua voz declarava a verdade: ele estava mesmo enciumado, mas havia algo mais ali, uma pitada de alguma coisa que não consegui decifrar o que era exatamente.

Deixando para lá, apertei seu ombro gentilmente, um gesto amigável entre nós.

- Relaxa, eu não vou trocar você! Ainda vamos ter nossos momentos juntos.

Ele suspirou, mas acenou positivamente com a cabeça. Permanecemos em silêncio mais uma vez, esperando as primeiras estrelas surgirem no céu para nos despedirmos.

Silver foi o primeiro a partir, deixando Sonic e eu a sós naquele clima romântico. O azul relaxou quando ficamos sozinhos, o seu peso diminuindo. Ficamos conjuntamente quietos o resto do tempo, falando somente no momento de dizer tchau.

Assisti-o entrar em sua casa, esperando fechar a porta para ir na direção da minha.

Eu conseguia sentir algo de diferente no ar, mas não sabia distinguir o quê. Isso, de certa forma, estava me deixando bolado, andando distraído com as mãos nos bolsos, sendo acompanhado apenas pela luz da lua e dos postes elétricos do caminho para a residência.

O problema, mesmo que eu não percebesse neste momento, era maior e pior do que eu imaginava, e eu estava entrando mais e mais fundo nele, sem nem ao menos desconfiar disso.