Era mais uma madrugada de trabalho, a noite estava escura, salva pela lua cheia brilhante no céu, iluminando delicadamente os terrenos em volta da transportadora. O terreno em volta era majoritariamente plantações dos mais variados vegetais, consegui distinguir com a luz da lua apenas algumas plantas popularmente conhecidas, como o milho ou o trigo. Todos esses terrenos deixavam um forte cheiro de adubo misturado com o odor do sereno, me deixando seguro e confortável por lembrar o cheiro de casa. Nasci e cresci no meio de plantação, cheiro de bosta e de sereno eram as duas coisas mais comuns para mim, até eu crescer e me tornar um adulto. O cheiro de gasolina e de suor substituíram esses cheiros de infância, ser caminhoneiro é viver no meio do calor, caminhões e de uma grande quantidade de homens necessitados de um banho quente e cheio de sabonete.
Morar no interior não provê oportunidades especiais e diferenciadas, nascer aqui te faz ou fazendeiro ou caminhoneiro, sem abertura para ser outra coisa. O povo da cidade precisa viver e comer, oxe. Só nós mesmos ficamos disponíveis para levar nossas plantações, acho que o povo de lá não sabe dirigir caminhão não e dependem da gente para sobreviver. Na fazenda, se você tem os oito anos já precisa saber pilotar pelo menos um trator de três marchas. Eu via na televisão de casa durante a novela da minha mãe diversos homens dirigindo carros caros e coloridos, minha paixão por máquinas aumentava a cada nova novela de mamãe. Os carros mudaram e se tornaram coisas mais barulhentas, bonitas e sensuais, mas nada ganhava de um imponente caminhão de transporte. Grande. Forte. Imparável.
Desde pequeno eu sabia que quando eu crescesse, não seria um mero fazendeiro, mas sim um caminhoneiro para a transportadora de vovô. Veja bem, papai decidiu plantar e cuidar de animais para fazer a vida, vovô, antes dele, decidiu se entregar para a paixão por motores. Meu avô e meu pai trabalham juntos para plantar e levar essas coisas até a cidade, dividem o dinheiro e ambos saem ganhando bem. Não é o bastante, mas é mais que o necessário para viver na nossa terra maravilhosa. A transportadora é mais velha que eu, quando pequeno eu vinha brincar aqui com meus irmãos, era divertido se esconder dentro de uma roda de caminhão durante vários minutos.
A lua iluminava o letreiro da transportadora sem necessidade, a luz neon era forte e de bem longe dava para ler "TranspPlant". Um trocadilho bacana criado pelo meu avô e causador de gargalhadas extensas sempre que bebemos algumas cervejas juntos. O toldo feito de lona amarela cobria três poderosos caminhões customizados nas cores da transportadora, o cavalo mecânico trucado era de um vermelho intenso contrastando com as carretas azuis. A minha preciosa estava estacionada bem no meio, entre os outros dois, meu orgulho foi perceber que ela brilhava muito mais comparada às outras mal amadas, sempre fui bem atencioso; passava horas limpando e dando um ótimo acabamento nela, conseguia ver meu reflexo nitidamente na porta da Betsy. Meu avô acertou em colocar a transportadora distante de qualquer moradia, eu amo caminhões, mas ouvir o barulho de madrugada de uma transportadora abastecendo é horrível. Os vegetais são sensíveis e murcham rapidamente se não formos velozes com o preparo, abastecimento e transporte, por isso, abastecemos os caminhões na madrugada por ser mais frio e saímos logo em seguida em direção a cidade. Se tudo ocorrer bem com o caminhoneiro, as plantas devem chegar cedinho junto com o nascer do sol, bem a tempo de preparar as barracas para as feiras matinais. Conseguia observar meu vô controlar uma empilhadeira com maestria, o meu velho pegava com os braços de aço as pilhas de cargas, as levantava e colocava dentro do caminhão. O resto do pessoal precisava apenas puxar a carga e distribuir bem o peso em toda extensão da carreta, só o caminhoneiro sabe o terror que é dirigir um caminhão mal balanceado, cada curva é uma reza e uma bomba de adrenalina. As cargas são separadas em caixas de base quadrada, suas tampas são decoradas com o logo da transportadora; um caminhão vermelho sangue levando uma espiga de milho gigante como carga na carreta azul vibrante.
Depois de passar em torno de quarenta minutos, toda carga estava dentro do caminhão e bem distribuída para o meu trajeto ocorrer sem problemas. Cumprimentei alguns trabalhadores usando uniformes desgastados com a mesma imagem da caixa estampada, como sou caminhoneiro e os clientes não me veem, meu avô dispensou o uso dessas coisas desconfortáveis. Posso viajar tranquilamente com minha bermuda jeans, minha regata branca e minhas botas de couro. Depois de todos os meus colegas de equipe saírem da área de carga e descarga, chequei todas as travas da carreta, tudo parecia em ordem e pronto para viagem. O trajeto é bem simples e já havia feito dezenas de vezes, basta pegar a rodovia e só sair dela quando o primeiro prédio aparecer. Para iniciantes é uma péssima forma de se achar, mas depois de errar algumas vezes o caminho fica gravado a laser na memória. Esperei sentado por meu avô ao lado do pneu da Betsy, ele sempre vem verificar se está tudo certo comigo antes de dar início a mais um transporte. O pneu do meu caminhão era duro, mas ao mesmo tempo confortável, conseguia passar horas ali descansando ou até dormindo. Infelizmente, ainda dava para ver a marca branca em uma parte do pneu da vez que eu fui descuidado e raspei a lateral da borracha inteira na guia. A espera foi curta e prazerosa, meu avô chegou com uma latinha lacrada de energético, mesmo eu falando que não posso tomar por me dar dor de estômago e até vômito.
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O Imitador
Science Fiction"O Imitador" é um conto literário de ficção científica eletrizante que levará o leitor a uma aventura inesquecível. A história começa com um caminhoneiro que se envolve em um acidente durante uma de suas rotas de entrega. Ao acordar, ele se vê preso...