EPÍLOGO

120 5 2
                                    

Eu espero que ninguém sugira que eu deva apagar alguma parte dessa história. Nenhuma palavra, nem um parágrafo; eu não conseguiria já que apagar é mais difícil para mim do que nunca ter escrito. Estou feliz por ter escrito, porque acredito em tudo em que escrevi, e por mais que eu tenha um dedo intrometido para ficção, acabei revelando a verdade. A minha verdade naquela escola. Desde o primeiro dia eu quis correr, eu quis ir embora. Mas fiquei e experimentei o que aqueles meses tinham para mim. E foram muitas coisas. Um coração quebrado, uma alma despedaçada, amigos, brincadeiras, aulas e amores. Eu não sabia que precisava desse livro até tê-lo terminado e agora acredito que tomei a decisão certa. A Katharine mexeu comigo, me deixou cicatrizes e com mais vontade de enxergar o mundo como ele realmente é; Horrível.

Sabe o que é mais horrível, queridos leitores desse livro sombrio, é que eu não menti em nenhuma parte. Tive mesmo aqueles sonhos, amei mesmo aquelas pessoas e realmente vi uma delas ser morta. Eu senti a chuva e o calor, eu pulei na piscina em um domingo com o meu amor, Vinci. E vi a escola incendiar. Meu pai me pegou um pouco antes de eu desmaiar no banco do carro e quando horas tinham se passado, eu acordei. E lembrei, primeiramente, da voz ameaçadora de Nicholas dizendo que ia me matar. E depois lembro de ter visto um dos Águias, como eu costumava chamar, conversando com Hudson Andréas. Eles dois fumavam e sorriam. Eu sempre pensei que os dois fossem uma dupla assustadora. Meu pai me contou muita coisa, que vou contar aqui também. Mas queria deixar registrado que, após dez anos daquele incêndio, ninguém nunca soube o que de fato aconteceu. Só se sabe que foi uma tragédia. Mas eu vou contar o que eu acho que aconteceu.

Acho que a Katharine estava farta.

Farta de tantas coisas dentro do seu terreno. De tanto ódio, amargura, lembranças e lágrimas. E suicídios e sangue, gritaria e até de súplicas. Eu acreditava em maldições que colocávamos em nós mesmos, somos os únicos com poderes para isso. Tantas coisas ruins juntas devem ter afetado aquele lugar, que acumulou até deixar de existir, levando consigo tudo aquilo que podia.

Foi isso que meu pai me falou no carro.

O fogo levou aqueles que conseguiu.

Levou Denis.

Levou Nicholas.

Levou Théo, algumas meninas, alguns alunos do primeiro ano e levou aquele funcionário que eu não gostava. Ele ajudou alguns e morreu fazendo isso. O fogo também arrastou Hudson.

E sinceramente espero que ele ainda esteja queimando.

Não me sinto culpado ao digitar isso. E ninguém vai me fazer apagar. Nem fodendo.

Eu fiz uma promessa a Denis. Antes. De que iria no domingo conhecer seu pai. E cumpri essa promessa já que seu enterro foi em um domingo. Conversei com o pai dele, que estava inconsolável. Conversei com a mãe de Nicholas, que não quis muito papo comigo porque já sabia quem eu era e o que fiz. A dor tornou aquele momento mais complicado. Chorei por Denis por dias e noites, por semanas e meses. Mas nunca tive coragem de voltar lá. E não fui ao enterro de Bernardo. Não tive coragem.

Não visitei tantas pessoas assim. A verdade é que eu afundei na minha bolha de depressão e continuei assim até que meu pai me ajudasse. Sim. ele me ajudou e essa é outra parte da minha história. Vinci mandou uma carta para o meu pai. Antes. Dizendo que ele devia parar de ser tão escroto comigo e que começasse a escutar o que eu tinha a dizer antes que eu me afastasse dele definitivamente. Eu só soube disso no carro, pouco antes de chegarmos em casa. E foi naquele dia que meu pai parou de insistir em faculdade de direito, em conversas sobre casos e coisas assim, coisas que me deixavam mal. Ele agora perguntava se eu queria conversar e quando perguntei porque isso, a resposta dele foi: — Eu tenho medo de perder você, Atlas.

E eu aceitei aquilo, por que nunca soube exatamente o que meu pai sentia por mim. Quando aquelas palavras deixaram a boca dele, eu disse obrigado. E ele disse que era obrigação dele, como pai. E mesmo assim, eu ainda disse obrigado.

Não vou falar da minha vida após esses dez anos. Acho que não cabe aqui. Vou falar apenas algumas coisinhas a mais para as pessoas que estão lendo. As que perderam alguém, ou que perderam tantos que sentem o peso disso até hoje. Não é culpa de vocês. As pessoas se vão mesmo — algo dá um jeito para isso acontecer. E tudo bem, ainda assim, não é culpa sua.

Eu demorei a entender isso.

Demorei ainda mais a entender que o amor que eu recebi daquelas pessoas foi o que me tornou, não invencível, mas um pouco mais forte do que eu costumava ser. Se você acha que é forte, consulte seu interior e descubra que você é sempre um pouco mais. E a morte daquelas pessoas amadas sempre terá um espaço nessa força. E quando vocês acharem, por um momento sequer, que não merecessem ser amadas. eu vou dizer: você merece. Você merece alguém que te enxergue com cores vibrantes e que te diga isso, como Vinci me disse. Espero que vocês tenham sorte.

Eu tive.

Tenho que parar de escrever por aqui, porque tem um post-it na tela do meu computador, que me lembra que tenho um compromisso com Vinci daqui a pouco. Ainda sinto a mão dele. Ainda sei as palavras dele. Eu decidi que vou visitar Mica. E Regina. E Denis. E espero que eles estejam me vendo chorar nesse momento, e estejam rindo de mim.

Espero que eles saibam que eu vou aproveitar minha vida; eu prometo, pessoal. Eu prometo.

Entrelinhas (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora