Era uma tarde igual a tantas outras, estávamos sentados no jardim como costumávamos fazer ao sair das aulas. Notava-se uma eletricidade diferente no ar, mas nada que espantasse as mentes daqueles ali presentes. Estava sentada ao teu lado, uma brisa ligeira movia o meu cabelo. Tinhas a tua mão em cima da minha perna enquanto divagávamos sobre intemporalidades. Juro que ainda posso sentir o cheiro do teu perfume a aproximar-se do meu corpo à medida que o vento soprava.
Juro que gostava de saber explicar como ou porquê. Mas foi, certamente, um daqueles acontecimentos que só acreditamos depois de os viver, e que possivelmente nunca vamos conseguir explicar.
O sol brilhava sobre a minha cara impedindo-me parcialmente de ver pouco mais do que a um metro de distância. Sem mais nem menos senti o meu corpo a ser puxado, como se alguém me estivesse a agarrar fortemente para que não fossemos afastados. A última coisa que me lembro foi de agarrar a tua mão, sentir a tua pele junto da minha, entrelaçar os nossos dedos e fechar os olhos.
Quando acordei estava no vazio, ou melhor, não estava. Todas as partículas do meu corpo se haviam desintegrado, não era capaz de ver, sentir, andar, apenas o meu cogito parecia intacto. Sentia a minha mente presa no vácuo, no escuro. Não era capaz de me movimentar, de falar. Tinha demasiados pensamentos para processar, até a relatividade do tempo me tinha sido tirada. Sentia a presença de mais pensamentos exteriores aos meus, uma multidão perdida no vazio, um murmúrio inaudível que apenas se fazia sentir pela força daquilo que, possivelmente, estariam a dizer. Gritei pelas pessoas que me acompanhavam, mas a força do meu pensamento não era suficiente para me fazer ouvir. Estava sozinha.
Saudade. Tudo o que percorria a minha mente acabavam nos caminhos da saudade, o medo assombroso de acabar assim, sozinha, sem ninguém, de nunca mais os/te voltar a ver. Tentei encontrar-te, tentava esticar os braços do corpo que não tinha e voltar a agarrar a tua mão, esforço desnecessário. Conseguia sentir a tua presença, sei que eras tu, mas era impossível encontrar-te ou simplesmente ficar contigo.
Quando finalmente desisti, senti-me a ser puxada novamente. Como se estivesse a atravessar uma passagem de nível e alguém me agarrasse segundos antes do comboio passar, evitando a minha morte. Senti-me a flutuar, no escuro, até que estava de volta ao meu corpo.
O mesmo local, as mesmas pessoas, o mesmo dia. Porém ninguém parecia ter qualquer tipo de relação comigo. Aproximei-me de ti como seria normal, olhaste para mim como se eu te estivesse a confundir. Caminhei entre todos aqueles por quem tinha procurado, permaneciam indiferentes à minha passagem.
Estava cada vez mais confusa, almas extrapoladas de corpos e memórias apagadas. Porque é que ninguém referia aquilo que havia acontecido? O medo? O vácuo? Porque é que eu era a única que estava preocupada?
Aproximei-me de ti, eras a última pessoa que eu esperava que não me reconhecesse. Toquei-te no ombro, questionaste a minha presença e existência afirmando assertivamente que nunca nos havíamos conhecido.
Quantas mais vezes me olhavas e desprezavas mais a minha alma sentia a tua falta, tinha necessidade de ti. Quando num último gesto de desespero me aproximei, com uma fotografia nossa nas mãos, prova concreta de que, de certo modo, estávamos relacionados, amarrotaste-a jurando pelo teu mais belo e maior amor que nunca nos havíamos cruzado.
Deixei o papel cair no chão, olhei-o mais uma vez e foi nesse preciso momento que acordei.