Mentindo sobre nós, marinheiro?

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"Ouça o que digo: são criaturas demoníacas", assegurou Tobias, apontando a Grulin, enquanto segurava sua garrafa de rum. "Ora, você nunca viu alguma; como pode dizer como se parecem?", questionou aquele último, do outro lado da mesa. Era uma discussão demorada, que se seguia graças à irredutibilidade daqueles homens. Foram canecas e garrafas de bebida secadas, mas o consenso entre eles não acontecia. Como, afinal, poderiam? Nem um, nem outro tivera a sorte, ou mesmo azar, de deparar-se frente a uma sereia. "De algo sei: são todas fêmeas. Escreva o que digo!", disse um terceiro homem, chegando-se da mesa ao lado, empunhando uma caneca de cerveja, após ouvir a conversa. Aquilo fora mais combustível à discussão, pois mais horas à noite adentraram os marujos naquela algazarra. Eles pareciam bem dispostos a deixar seus ganhos do último serviço na taberna.

Acabaram se juntando a eles mais dois homens: um alto, quase um gigante, chamado Brutus; outro, de uma perna de pau, conhecido por Notório, que afirmava ter tido sua perna comida por uma sereia: "grandes dentes; arrancaram-me a perna numa mordida. Era mais feia que a minha velha tia, com olhos e dentes de peixes das profundezas". O mais alto, ouvindo aquilo, indignou-se: "ara, isso foi um tubarão; dos pequenos, pelo tamanho da perna". "Está dizendo que minto?! Ora, vá tirar as ostras das orelhas, seu ogro marinho!". Brutus, então, levantou-se segurando pela goela o marinheiro da perna de pau. A bebida já havia lhes furtado a razão. "Que disse?!". Notório, tentando sem sucesso livrar-se das mãos daquele homem, proferiu, com muita dificuldade: "disse que p-preciso mijar". "Deixe o homem ir, rapaz, ou ele vai molhar seus pés", falou Tobias, rindo-se, batendo de leve no braço de Brutus, que largou o homem miúdo no chão.

Notório, logo arrastou-se à porta e correu ao píer. "Tolos medíocres", retrucou, enquanto se preparava para aliviar os joelhos. "Eles verão o que faço a quem caçoa do temível Notório Giliardo". Antes de terminar, porém, ouviu uma risada maliciosa vinda do breu do mar. "Mentindo sobre nós, marinheiro?", inquiriu uma voz feminina. "Q-quem está aí?". Um medo de arrepiar a espinha tomou-o completamente. Ouviu-se, então, uma canção estranha, numa língua estranha. "O que...". A cor dos olhos daquele homem sumiram. Seu corpo, sem consciência, começou andar em direção à água, até cair e desaparecer.

"Onde está aquele perna-de-pau mentiroso?", questionou Tobias, depois de horas, dando início a outra garrafa de rum. "Deve ter ido nadar com as sereias!", zombou Brutus. Todos os marujos riram e continuaram a beber e discutir sobre sereias até o amanhecer.

Mentindo sobre nós, marinheiro?Where stories live. Discover now