Dedico aos amigos e colegas que travaram comigo a luta pela poesia, a todos um abraço franco e um sorriso meio falso.
Madrugada Do Dia 0
Latidos grossos e meio roucos,
Pernas peludas e boca vermelha.
É setembro e estou vivo?
Tenho medo de um final descontrolado.
Escrevo outra carta, que não envio no e-mail.
Paula apanha do marido, pobre puta.
Observo as luzes enfraquecidas da tela
A internet é lenta, eu caio.
Escuto um chiado estranho no lado esquerdo do fone de ouvido.
Penso em ligar para a D. Mas ela não atende.
Mamãe mandou mensagem, amanhã escuto.
Mandaram-me escutar Kpop, tenho medo que goste.
Escrevi um poema sobre romance, ficou péssimo.
Sinto que vou ficar com nariz entupido, horror ao catarro.
Maria do Blondie nunca se estraga.
Queria um suco de laranja, só que da fruta.
Não aguento mais os saquinhos de plástico no armário.
Deveria comprar mais frutas ou um castelo em miniatura.
Colocar uma formiga como rei,
Forgaquia?
Iludo-me pela quinta vez nesta semana,
Lembro que ainda é segunda (quase terça)
Tenho crise.
Idealizo um poema e ele some.
Malu (cahorra da vizinha) arranha a parede e dá um uivo.
— Cala boca, Malu! — a vizinha grita ultrajada.
Dou um risinho tranquilo.
Releio lá fora, não entendo o motivo, continua uva-passa no arroz de forno.
Gratino minha indecisão com o queijo da angústia.
Prato farto, mas passo fome.
As muriçocas não me largam, dou um grito.
Minha unhas estão compridas, depois corto.
A. sumiu? Será que ligo.
Fico quieto, lembro de Carla besta e tão amada, pobre amiga.
Uma lágrima cai pela memória perdida.
Penso em ler Hilda, mas já é terça.
Uma moto corta a rua desesperada.
Mando mensagem para o V., ele visualiza.
Fiz um tweet-desabafo.
Comprei um par de canetas na Shoope.
O V. me responde.
A Malu uiva, outro responde mais doente.
A. deve ter sido assaltado, será que faltou energia?
Questiono-me soturno.
Mercúrio continua retrógrado.
Cubro-me e termino um poema.
Talvez amanhã devesse fazer torrada no café.
Eu-Ana
Tantos engrandecimentos parcos,
De mim? que nada seja!
E eu tão sóbrio de cansaço,
Me canso solitário
Nas tardes de pinheiro;
E de tanta vileza me perduro
Como se valesse-me as palavras,
Como se tudo fosse sóbrio
E nada estivesse infestado de cansaço.Idota faço-me entre falsos sábios;
Sabem tanto e nada da própria ignorância.
Talvez nem mesmo no momento da infância
Foram um dia sequer amados.Louco eu estando tão presente,
Me distancio fácil das proximidades
E de saudades — todas mentirosas.
De açoites, pontapés e brios
Fazem os olhos misericordiosos,
Que nos rodeiam tão fortes,
Tão maldosos,
Que nos matam com um ascender de cílios.Observo as pobres crianças na rua,
Tão sabidas e inescrupulosas.
Como detesto as crianças porcas;
Que em loucura se fazem adoráveis.
Como eu amo as crianças pássaras;
O futuro do mundo e tantas coisas.
Desvalorizadas crianças toscas
Que morrem de fome junto aos professores.Mas de tantas coisas do mundo
Amo tão poucas,
Dentre elas, todas as Anas!
Anas que de tão adoráveis são simplórias,
Comuns, profanas e dramáticas.
Seja Ana Terra estuprada,
Ana Turva meio puta,
Ana Clara meio morta
Ou Ana Cristina que pula
De um sétimo andar no dia do livro
E cai vencida, valida de poemas.
Anas cheia de livros,
Faz-se alma-ana as bibliotecas
Tantos livros, que como tela,
Se constroem os pensamentos em retratos.
Ana Maria relutando as paisagens esquecidas na esfinge,
Anna perdida entre Anas planas e curvas, curvilíneas, fluviais e fluidas.
Viver Ana é ter tormento,
Anas que facilmente choram.
A morte de Ana Lisa
Doutra rua:
Assassinada pelo marido deixa duas filhas;
E a Ana Júlia assaltada defronte a escola;
E a Ana Paula agredida pelo pai metalúrgico que tomou uma dose de cachaça e tragou duas carreiras de pó no centro da sala.
Pobre das Anas, tão cansadas.
E vivo eu meio animado…
Como homem feminino,
Que trajo palavras como Anas trajam vestidos;
E seduzo por holófrases;
E horóscopo;
Como místico
Ou como tolo!
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Segredos Em Diário Azul
Poetryobra poética que reúne: memórias, desabafos, homenagens e justificativas. onde o poeta transforma em palavra tudo o que é e oferece para alguém desvendar, o que você pode tirar de mim?