XXII (Parte I)

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Pelos olhos de Silver

Observar Shadow ir embora deu-me um aperto no coração, temendo que as esperanças dadas por ele fossem apenas uma forma de me iludir e agradar. Era óbvio que ele estava se esforçando por mim, uma pessoa que causou mais desordem e caos do que felicidades à sua vida, e ainda assim recebia sua compreensão e compaixão, além de seus olhos rubros como sangue em chamas quando encontravam os meus. Eu conheço Shadow há muito tempo, sei cada mínimo defeito seu, até seus segredos mais profundos. Durante anos, fomos irmãos, contando um com o outro para tudo; eu sempre desejei-o como algo mais, mas minha mente obrigava-me a me manter afastado, tendo medo de perdê-lo até como amigo, além da rejeição.

Eu encarava o nada, mirando a parede através do vidro que anteriormente separava o ouriço escuro de mim, ainda tentando processar o turbilhão de sentimentos que me invadiam simultaneamente. Meu processador ainda estava lento, tentando engolir tudo que havia escutado de Shadow.

Quando menos esperava, meus pensamentos foram cortados por alguém vindo atrás de mim, tocando meu ombro gentilmente. Seu toque era firme, ainda que gentil, forçando-me a levantar o olhar e a bunda da cadeira.

- Vamos - foi a única coisa que o policial de olhos marcantes disse. O som foi alto e claro, apesar de ele não ter boca. Obedecendo suas ordens, segui para minha cela, estranhando não ter me algemado antes disso.

Havia algo sobre aquele ouriço que achava muito estranho; não me recordava dele, imaginando que houvesse entrado na delegacia há pouco tempo. Descobri após virar a cabeça levemente em sua direção que seu nome era Mephiles The Dark, idealizando meus pensamentos.

Com todo cuidado do mundo, fui posto de volta onde ficava, aquele minúsculo lugar onde só havia uma cama e uma privada nojenta. Mephiles não se afastou, sentando-se em uma cadeira na porta do local, espiando-me com o canto dos olhos.

Quanto mais o observava, mais o achava suspeito.

Horas se passaram, e o ouriço policial não se moveu, quieto, apenas com o olhar preso em cada movimento meu, nada ameaçador, mas sim admirador — e um pouco intimidador.

Não podia negar o quanto aquilo me fazia sentir desconfortável, suando frio, sentindo calafrios pelo corpo e arrepiando os pelos de minha nuca.

A noite não demorou a chegar, apesar do tédio, mas Mephiles continuou ali, talvez sendo igualmente do período noturno. Isso estava me incomodando cada vez mais.

Repentinamente, mais ou menos três horas da manhã, enquanto dormia tranquilamente no trapo que chamam de cama, o som da cela sendo aberta me desperta, logo depois a sensação de estar sendo vigiado. Não tive muito tempo para pensar, pois logo algo quente me agarrou, os braços em torno de meu corpo de uma maneira assustadora.

Minha primeira reação foi lutar, acordando completamente do sono. Tentando gritar, minha boca foi tampada por algo que deveria ser lábios, mas não havia nada ali. Aos poucos compreendo se tratar de Mephiles, relaxei o corpo, me deixando levar por um momento, apenas para me livrar logo de seus toques.

Mas ele não cedia tão fácil, parecendo perdido no seu próprio mundo enquanto me "beijava".

Eu me sentia péssimo, um traidor. Minha cabeça rodava, pensando apenas em Shadow, no quanto estava sendo adúltero naquele instante, ainda que nem estivéssemos em um relacionamento sério. Não queria ser estúpido, mas não podia continuar com aquilo.

Os Mil e Um Você (Volume 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora