1. Melhores Amigos

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O silêncio ensurdecedor está me matando com calma. Sinto como se meus ouvidos estivessem debaixo d'água, mas eu estou em cima do colchão dele. Posso até sentir o lençol fino e frio quase raspando próximo aos pelos da minha perna. Dizem que sentir demais é estar desconfortável. Talvez eu esteja desconfortável. "Talvez" não, certeza.

Ele está na minha frente, com o olhar estirado na cama, fixado nos meus dedos tamborilando no ritmo da minha pulsação. Seus olhos estão tão baixos quanto minha autoestima está agora. Seu rosto está tão expressivo que eu me pergunto se ele não morreu ali mesmo. Ou eu sou apenas inseguro demais pra lidar com a situação. "É a ansiedade" repito mentalmente.

E como se eu estivesse no vácuo, seu olhar estoura ao se direcionar pra mim e sinto uma segunda explosão vir em seguida quando seu peito se enche de ar rapidamente preparando pra atirar em mim todas aquelas palavras que eu temo ouvir.

Ele travou. Assim como seu olhar— mas dessa vez ele está nos meus que estão presos nos deles. E novamente ele se torna uma estátua.

O holocausto é adiado por alguns segundos e ele solta todo o seu ar soando como quando a água já ferveu — ele está fervendo? — Ele comprime os lábios, franze as sobrancelhas e faz um estalo com a boca pra então relaxar o rosto:

— Então.

Olho por cima do óculos, engulo seco e travo meu maxilar. Escondi a cabeça entre os ombros arqueados e duros, apertando minhas mãos como se fosse socar alguém, quando na verdade minhas unhas não param de arranhar a palma da mão. A boca parece quente por dentro, a garganta parece seca assim como meus lábios. Há uma discussão entre meus alter egos onde um grita "quero morrer" e outro corrige "oh, por favor, pare de frescura!".

— Isso não vai dar certo. — Responde.

— Hm...

E apesar da aparente calma, a minha visão escureceu e "acendeu formigando", uma rápida sensação de tontura me acometeu e eu sinto pancadas de dentro do peito para fora. O corpo começa a formigar também e, eu sei, posso não olhar pra minha mão agora, mas estou tremendo. Mantenho firme o nó na garganta pra não soltar palavras trêmulas e envergonhadas.

Mas por maior que seja a tentativa de manter tudo dentro de mim, eu sinto o nó na garganta umidificar e algo ardente subir para as maçãs do meu rosto. Tento controlar a respiração na tentativa estúpida e inútil de conter isso, mas eu sinto o rubor e uma absurda vergonha estampando minha cara até que os olhos ficam ferventes e ácidos, me parecendo impossível impor limites a algo que não tenho qualquer droga de controle.

— Calma...! — Surge uma expressão nele que se resume aos olhos abertos e as sobrancelhas arqueadas. Sua postura enrijece e ele se pisca algumas vezes.

— Relaxa... — a voz embargada contrasta com o sorriso de "oh, não leve isso à sério" forçadamente mantido.

Eu queria um abraço dele. Queria que as coisas fossem como aqueles momentos estúpidos que Hollywood injeta na nossa imaginação. Uma peripécia. — Sim. Seria perfeito — Queria que toda essa tensão se quebrasse com o corpo dele se aproximando, os braços dele em volta de mim e eu chorando horrores dramática e estupidamente. Mas isso é tão pré-adolescente. Altamente vendável, precariamente real.

Percebo que ele não sabe como se portar e que gostaria muito de me confortar agora, mas poderia estar receoso de me dar esperanças ou de me confundir ou... ou... estou pensando demais. Seria melhor dispersar a mente pra parar de chorar.

— Eu gosto de você — E isso me acerta como uma explosão de serotonina no organismo, secando algumas lágrimas e relaxando cada músculo meu.

— Gosta? — A confusão mental começa por aqui.

— Muito — mais explosões de serotonina — Mas você sabe... a distância...

— Ah... é...

Eu havia pensado nisso. Eu estava ciente disso. Mas eu fiz a proposta assim mesmo. Onde eu estava com a cabeça? Mais um relacionamento desses seria burrice porque insistir no erro: é burrice! Mas os sentimentos nos "emburrecem" um pouco, não? Talvez até demais.

— Se não fosse a distância, se houvesse um jeito.

— Tudo bem. — Respondi.

Me joguei sobre o travesseiro e logo em seguida ele se deitou ao meu lado. Novamente aquele olhar fixo que me mata de ansiedade, aquela falta de expressão que me deixa inseguro pra caramba. Novamente deitados, próximos um do outro, mas dessa vez mais quietos. Sua mão suavemente tocou minha bochecha, secando-a com a palma da mão, daquele jeito atrapalhado dele.

— Não fica assim.

— Já passou. Relaxa.

A verdade é que não é impossível, mas já falhou uma vez. E martelar na mesma madeira uma hora tudo se quebra e, meu deus, prefiro nem pensar nisso! Não se trata de um sentimento por alguém qualquer, aqui não há apenas dois amantes envolvidos, há mais que isso. São anos longos de tantas conversas, alguns livros de histórias e momentos de companheirismo, duas pessoas que gravaram todas as suas risadas. Há uma conexão surreal aqui. Mas isso é tão delicado. Agora, no momento, é delicado. Ele é meu melhor amigo. E, bom, perder um amor, é superável. Eu poderia lidar com isso. Mas... perder meu melhor amigo seria imperdoável. Portanto, se for para jogar, que seja para ganhar. E agora as coisas apontam para um possível fracasso, a probabilidade é extremamente alta. Não poderia fazer isso, mas...

Quem sabe um dia.

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