Depois das reclamações perturbadoras, que Thomas Margem fazia toda quarta-feira em meu consultório de psiquiatria, nesta última quarta, um policial bateu em minha porta dando a notícia de seu falecimento. Fiquei chocado com a tal notícia e dispus de algumas conversas que tivemos em suas últimas consultas. Porém, não entrei em detalhes com as autoridades sobre um sonho, no qual Thomas Margem relatava, quase sempre de uma maneira esquizofrênica, ser um homem perturbado por um pesadelo.
Deitado em meu divã, fumando um charuto com ervas, recordo claramente como Thomas contava sobre seu pesadelo: seus olhos ficavam fixos e suas mãos trêmulas, lábios trêmulos e ressecados. Via em seus olhos que aquilo o perturbava profundamente.
Tentei descrever em uma folha de papel, com letras graúdas, tudo o que ele dizia em todo o tempo de terapia sobre o seu terrível pesadelo.
"Me via em um sonho lúcido, onde caminhava em um cemitério e uma grande névoa branca ofuscava a minha visão, deixando-me sem margem daquele cenário macabro. Quanto mais eu andava, entre covas e grandes túmulos com estátuas de arcanjos, gárgulas e bizarras medusas que apareciam entre a branca névoa, mais aterrorizado eu ficava.
Caminhando vagarosamente num estreito caminho de chão de pedra, coberto por cipós espinhosos, a todo momento olhava ao redor com a sensação de ser observado.
Logo percebi que nenhum dos túmulos que conseguia visualizar tinha uma só foto ou homenagem com datas de nascimento e falecimento; somente velhos sepulcros abandonados e cobertos por musgos e heras espinhosas. Entre os esqueletos das árvores mortas, que sumiam entre névoas de uma maneira em que não conseguia ver a sua dimensão, negros corvos voavam entre galhos e sumiam na neblina, deixando o eco de seu crocito pairar em meio aquele silêncio Fúnebre.
Uma grossa gota de água caía em meu rosto e logo em seguida outras, formando uma chuva torrencial. Saía em disparada, desequilibrado. Aquele caminho maciço de pedras começava a amolecer com a chuva, gerando grandes poças de lama. Tentava pisar nas maiores pedras, mas os pés atolavam até os calcanhares. Tinha dificuldade naquele momento, olhava para um lado e para o outro, mas a neblina cobria tudo e a chuva que caía em meu rosto, cobrindo meus olhos, ofuscava a minha visão.
Um silvo alto e estridente fazia com que se abrisse uma fenda negra no céu e relâmpagos aparecessem como raízes feitas de luz. A grande fenda negra no céu começava a engolir toda a neblina e, com isso, dando visibilidade à minha frente. Ainda com a visão ofuscada pela água da chuva, conseguia avistar forçadamente alguma coisa se formando na escuridão".
Agora, em luto pela morte de Thomas Margem, não conseguirei descrever o que ele também não conseguia descrever em nossas terapias. Creio eu, que Thomas chegou ao extremo do horror e, o que ele avistou, simplesmente não teria uma descrição humana.
Descansei minha caneta bico de pena no tinteiro, levantando-me em direção à cozinha para pegar um café, como um gesto costumeiro nas rotinas diárias. Ao retornar ao escritório, fui pego de surpresa com algo inimaginável diante de meus olhos: me deparei com Thomas Margem sentado em meu divã.
Fiquei apavorado com aquela cena mórbida. Thomas estava com as roupas rasgadas e molhadas, seus cabelos longos e molhados até o ombro, escorria uma lama negra que saía debaixo dos seus sapatos e sua pele estava pálida, com cortes profundos mostrando carne e ossos. Tentei dizer alguma coisa, mas minha voz não saía. Parecia que ele tinha acabado de sair de seu terrível pesadelo e estava ali, querendo dizer para mim o que ele vira.
Bruscamente, Thomas ergueu sua cabeça mostrando seu pálido rosto entre os cabelos molhados. Seus olhos estavam fundos e com grandes olheiras, olhos simplesmente negros e sem alma. Thomas apontou o seu dedo indicador na direção da parede, no intuito de mostrar alguma coisa, mas não havia nada ali de anormal, fora a sua presença. Finalmente, naquele momento débil, consegui dizer a Thomas algumas palavras.
- Fale-me! Diga-me! O que tu viste em teus sonhos? O que é de tão terrível que tu não tiveste visto em vida?
Thomas não conseguiu finalizar uma só palavra legível; simplesmente seu corpo começou a se dissolver em lama diante de meus olhos. Uma cena horripilante, que guardo em minha memória até hoje. O que há de tão terrível nos sonhos de Thomas Margem, que até após ter falecido ele não conseguiu revelar?

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Memórias Fúnebres
Mystery / ThrillerO Narrador sem nome tenta descrever as agonias humanas de uma pessoa atormentada por um pesadelo.