36 - Algum tempo depois, em um novo lugar

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Jamie

Preparava o almoço na nossa pequena cozinha, uma música baixa tocando, mas minha atenção estava na gritaria das crianças no nosso quintal. Eu vestia só uma bermuda e uma regata, o calor era grande, mas como choveu naquela semana tinha refrescado um pouco.

Estava um pouco atrasado com o almoço, mas novamente deixei as panelas no fogão e fui olhar as crianças, como fazia com bastante frequência. Eu era um pai preocupado, Claire gostava de brincar que eu parecia uma galinha cuidando dos seus pintinhos, queria minhas meninas debaixo das minhas asas o tempo todo.

Fui até a porta e olhei para fora, onde um grupo de umas 10 crianças brincava, duas delas com os chamativos cabelinhos ruivos esvoaçantes e as outras todas de pele e cabelos escuros. Faith e Bree chamavam a atenção onde passavam, pois além de serem duas das poucas crianças brancas do local, ainda mais por serem ambas ruivas. Como era sábado não tinha escola e a concentração de crianças era maior.

Estávamos há 8 meses na África, em uma pequena cidade da Nigéria, onde Claire trabalhava em um posto do Médicos sem Fronteiras. Desde que nos conhecemos ela falava que queria fazer algum tipo de trabalho humanitário pelo menos uma vez na vida. Quando Bree fez 2 anos, Claire foi a um congresso e conheceu alguns médicos que, de tempos em tempos, iam a algum lugar prestar serviço em bases do Médicos sem Fronteiras ou outras ONGs. Eles contaram a ela a loucura que era trabalhar nesses locais tão sem estrutura, mas como era gratificante poder ajudar aquelas pessoas que não tinha acesso a nada, vítimas de todos os tipos de violência e doenças. Eles disseram que o trabalho voluntário os fazia resgatar o sentido real de praticar a medicina. Claire voltou para casa mexida, pois queria muito trabalhar em um projeto desses, mas achava que não conseguiria ir e nos deixar para trás.

Naquela mesma semana, busquei Faith na escola e passei em Lallybroch para pegar Bree, encontrando meus pais na sala brincando com ela, a caçulinha da família. Conversei com eles sobre a vontade de Claire e eles ficaram emocionados. Eles concordaram que eu deveria apoiá-la nesse projeto e acompanhá-la, apesar de ficarem muito preocupados.

Claire e eu conversamos exaustivamente sobre o projeto. Sempre deixei claro que a apoiaria, mas que nós iríamos junto com ela. Depois de quase tê-la perdido no Brasil, eu não admitia a ideia de deixá-la ir sozinha. Toda vez que ela viajava para algum congresso em outro país eu ficava muito tenso. A ideia era ambos tirarmos licença do trabalho e eu ficaria cuidando das crianças. Também impus alguns limites, não iríamos a nenhum local de zona de guerra ou com grandes riscos de doenças contagiosas. Claire entrou em contato com alguns conhecidos e com a própria ONG e começou a levantar os locais onde seria viável que pudéssemos levar as crianças conosco. Foi uma loucura deixar tudo para trás e nos mudar de um lugar frio e estruturado com a Escócia para um lugar tão quente e sem estrutura como a Nigéria. Claire conseguiu alugar uma pequena casa próxima à estrutura do MSF, onde um médico que estava deixando a missão morou no último ano. Fomos muito bem recebidos por toda a equipe, formada em sua maioria por pessoas solteiras ou que vinham sem suas famílias, mas havia exceções. Na equipe, além de nós, mais 2 médicos vieram com as famílias. Nós acabamos nos tornando uma grande família, enfrentando as agruras de uma vida de privações na África.

As crianças se adaptaram facilmente, logo se tornando parte do bando de crianças da redondeza. Afinal criança é criança, independente da cor da pele, e logo elas estavam cheias de amigos. Nós optamos por colocar Faith, que estava com 6 anos, na escola, apesar de eu sofrer com essa decisão, mas achamos que seria enriquecedor para ela viver essa experiência. Também comecei a prestar serviços administrativos na base do MSF. Eles precisavam de muita ajuda nesse aspecto, apesar de contar com funcionários locais. Havia uma grande demanda para organizar e distribuir doações, controlar estoque de suprimentos médicos, dentre outras coisas. Contratamos uma pessoa para ficar com Bree por um período do dia enquanto Faith estava na escola, e eu passei a trabalhar na base nesse período. O restante do tempo eu cuidava das minhas filhas.

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