paradigma

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Cara

Fico calada observando a mãe do garoto chorando e berrando de forma extravadora. Eu queria ir falar com ela, mas a senhora não costuma me tratar bem e sempre se mostra ríspida a mim, coloco o orgulho de lado e me boto em sua frente com o intuito de ser gentil e demonstrar solidariedade. O marido dela, o velho Timmy, morreu ano passado de um ataque cardíaco em quanto estava na fazenda da família, foi encontrado junto aos porcos, a senhora então nunca mais foi a mesma, e mesmo que ela sempre me odiasse por viver sozinha naquela casa e mesmo assim continuar me sustentando, depois da morte ela ficou pior, ficou amarga, e cada um tem a sua própria forma de viver o luto, não serei eu que ditarei para uma viúva como ser uma viúva:
-Olá senhorita WestWood, soube da ida do Fillian, eu sinto muito, o sistema é extremamente injusto.
-Como se você se importasse, vive naquela casa a vida inteira e age como se nada mais fosse de alguma forma útil, você e seu jeito mimado podem ir embora da minha propriedade.-A velha virou o rosto para mim como sempre.
-Desculpa se pensa assim senhora WestWood, mas eu não sou desse jeito, e estou aqui para prestar condolências, apenas isso, aqui para a senhora- entreguei um envelope que a mesma colocou de lado, dentro tem cinco créditos, dois de água e três de comida, deve ser o suficiente para uma semana e meia acredito eu, mas acho que terei de vir aqui para ajudar mais vezes, já que agora a velha senhora mora sozinha numa fazenda muito grande para ela cuidar.
-Vá viver a sua vida Conley, você é jovem, e seja lá que besteira você faz para viver, dá certo.
A forma como ela me trata demonstra, mesmo de forma não conciente o modo como ela mesma vê o mundo. Nunca fui mimada, na real verdade, nunca tive a oportunidade de ser. Perdi meus pais muito nova, e vivo sozinha desde então, tenho poucas memórias da senhora em minha vida, e mesmo assim, sempre a admirei, a forma como sempre levou a vida e cuidou de Fillian.
-Tenha um bom dia senhora, sinto muito.
Saio da casa e vou até a minha caixa de correio. "Faltam dois dias para o seu recrutamento! Venha por vontade própria e receba até cinquenta créditos entre água ou comida para sua família, e lembre-se, lutar não apenas por você, mas pelo seu povo!
A carta me faz querer vomitar, o recrutamento obriga jovens inocentes e com sonhos a se envolverem com uma violência inútil. Jovens morrem todos os dias apenas por serem jovens.
Jogo a carta no sofá e vou até a cozinha, pego uma cerveja e me sento na minha escrivaninha, coleto uma revista de 2020, e começo a ler um pouco sobre as notícias, o ar de ter contato com algo antigo sempre me deixa feliz, olho para o lado e vejo minha mala vazia, preciso arrumá-la, pego algumas roupas no meu armário que mais gosto, afinal, não posso levar todas, pego comida, livros e quase todas as minhas revistas, quando estou quase fechando a mala, olho para o lado e vejo um porta retrato, sou eu, meu irmão, minha mãe e meu pai, estávamos num parque nesse dia, era um piquenique, lembro de mãe ter feito as comidas e arrumado tudo comigo, papai e meu irmão Phineas compraram tudo, cantamos juntos, contamos piadas e rimos muito, uma semana depois, meu irmão foi convocado, descobrimos por uma carta que ele era Enfermeiro, foi mandado para um conflito e morreu salvando um soldado, nunca vimos seu corpo.
Mamãe e papai morreram num acidente de carro dois dias depois da chegada da carta de Phineas, como se o desgosto por ter perdido o próprio filho os matasse. Sempre foram contra a guerra, a achavam idiota.
Mamãe era Atanqueira, foi mandando ao IDE e mesmo depois de anos de seu recrutamento, continuou trabalhando, criando tecnologias, papai era Enfermeiro, foi para a Guerra aos 18 anos, naquele ano a Fundação perdeu, papai quase foi capturado, fugiu horas depois e foi salvo numa das patrulhas com o intuito de achar os sobreviventes da Guerra.
Agora é a minha vez de ser recrutada.