Tá tudo bem

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- TÁ TUDO BEM! - respondo quando perguntada por um conhecido na rua como vai a vida, após descobrir que uma amiga foi morta por um assaltante.
"Tá tudo bem. Tudo ótimo. Não poderia estar melhor", minto mais uma vez, sorrindo.
É o que as pessoas querem ouvir, não é? Porque, na verdade, não se importam com você.
É tudo protocolo social, assim como os falsos parabéns nos dias de aniversário nas redes sociais.
Sempre "Está tudo bem". Sempre estará.

Para as pessoas, o melhor é fingir que está tudo bem e seguir em frente, alienar-se.
Achar que tudo vai melhorar magicamente e viver a doce ilusão do cotidiano. Se der errado é porque "Não era pra ser", "Deus quis assim", "Ainda há tempo".
É sempre melhor postar fotos felizes no Instagram e no Facebook para esconder a depressão crescente e a ansiedade sufocante porque ninguém gosta de gente que sofre.
Melhor esconder dos seus pais e dos seus amigos que você pensa em diversas formas de morrer e que pesquisa sobre isso diuturnamente em fóruns da Dark Web.
Melhor dizer que está viva mesmo que por dentro já esteja morta há anos.
Tá tudo bem.

Vivemos na Ditadura da Felicidade onde todo mundo precisa ser feliz o tempo todo, enriquecer antes dos trinta anos com alguma ideia genial, casar, ter filhos, morar fora do país para exibir que venceu na vida.
Num mundo como o nosso é preciso ter foco, força e fé, acreditar nos seus sonhos, acreditar em Deus, nos signos, encontrar seu Mindset e seu Ikigai, pois só assim sua hora de ser feliz chegará.
Uma hora que, para muitos como eu, não chega nunca.
Num mundo de falsas alegrias, só a dor que sinto é real.

- Tá tudo bem - respondo quando um vizinho me pergunta na rua como vai a vida, após ter sido roubada enquanto fazia uma caminhada para desestressar.
É isso que ele quer ouvir. Não quer a verdade.

Não quer ouvir que o Rio de Janeiro se tornou uma zona de mortes, controlada pelo tráfico e pela milícia, dominada por assaltos. Não quer ouvir que o país está em crise, que o governo é uma droga, que o transporte público não funciona, que desemprego está em alta, que o número de doenças mentais entre os jovens e adultos aumenta a cada ano, que o ensino está cada vez pior, que tudo aumenta nesse país, menos a esperança de um futuro melhor.

- Tá tudo bem - respondo para um colega da escola que encontrei no caminho, cuja vida está melhor que a minha, ao voltar estressada, em mais uma tentativa de conseguir emprego.
Desabafo meus problemas ao telefone com o único amigo que restou. Ele diz que devo ser mais positiva, pois sou "niilista demais".
Minha vontade é de xingá-lo, mas ele não tem culpa, apenas está anestesiado como todos. Faz parte desta realidade maquiada que nos vendem, deste mundo onde você precisa fingir que nada está acontecendo para manter a sanidade. Ninguém pode ter dúvida, medos, falhas.
Se você não alcançou o sucesso, foi porque não tentou suficientemente. A culpa é sua.

- Tá tudo bem - digo pra mim mesma após terminar a ligação. E, nesse momento, as gotas de chuva começam a desabar do céu, prenunciando um dilúvio.
- Não adianta me irritar por isso - reflito, procurando o ponto de táxi mais próximo. Embarco nele e rumo direto para casa. Decido como mudar de vez a minha vida.
Em casa, olho fixamente para os extremos da corda, em mais uma noite chuvosa de vazio, para desabar em lágrimas, sozinha. Longe do mundo perfeito, envolvo a minha tristeza em minha camisola.
Sinto-me perdida, sem esperança, é lógico que não está tudo bem.
"Eu tinha vinte anos..."

- CHEGA! - grito, usando toda força que as cordas vocais podem suportar.
Não adianta reclamar. É preciso mudar. Agora!
- Tá tudo bem! Tudo ótimo! Não poderia estar melhor! - envolvo meu pescoço com a corda que preparei no banheiro para essa ocasião tão especial.
Tá tudo bem quando subo na cadeira para alcançar a corda que terminará com meu sofrimento.
Tá tudo ótimo quando enrolo a corda de sisal em volta do pescoço e me despeço dessa vida que tanto me machucou. Não poderia estar melhor quando me enforco.

Meu pescoço dói, perco o ar, me sinto sufocada, quero gritar, pedir socorro, tentar outra vez, mas continuo porque está ótimo. Uma maravilha! A vida não é incrível?

As lágrimas descem sem pedir permissão, misturando-se ao suor do meu corpo. A chuva forte cai lá fora e tudo que sinto aqui dentro é medo. Quase me arrependo do que estou fazendo, mas sei que vai melhorar, eu tenho fé.
Não posso desistir. "Deus tem um plano para mim. Deus sabe de todas as coisas", é o que sempre dizem.
Fecho os olhos e me entrego ao destino.
Vejo uma vida de possibilidades esvaindo dos meus olhos.
Lembranças da infância passam como um filme em minha mente. Uma época em que era feliz.
"Aguente firme! Vai acabar logo!"

Estou desfalecendo, perdendo a respiração, sufocando, adentrando o reino da morte.
O mundo se torna totalmente negro. Meu coração para. Meu cérebro para.
Acabou.
Sou apenas um corpo pendurado vestindo uma camisola no banheiro, sem alma, sem vida. Mas não se preocupem, tá tudo bem.

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⏰ Última atualização: Nov 24 ⏰

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