Eu sinto os pequenos cacos de vidro em meus dedos das coisas que eu quebrei com minhas próprias mãos. Não sinto nem uma mínima vontade de limpá-las, assim então, deixando-as perfurar minha carne e impedindo que meu sangue escapem por suas aberturas.
Eu me sinto tão exausto. Exausto da minha situação e desse lugar. Queria simplesmente deitar e fechar meus olhos na esperança de entrar no mundo dos sonhos onde poderei ir a qualquer lugar longe daqui.
Mas não importa o quanto eu tente eu sinto que este lugar me prende, e tudo que eu lembro é essa maldita sala.De primeira vista tudo o que tinha era uma porta de madeira com cor salmão, uma maçaneta de bronze e um motivo para abrir essa porta.
∞
Com um corredor escuro e paredes manchadas de mofo atrás desta porta eu retiro da minha mochila a minha fiel lanterna, que mesmo que não ilumine tanto assim ela continua sendo consideravelmente boa.
— Podia ser bem pior eu acho. Digo, fede um pouquinho mas não é tão ruim assim. – Falo em um murmuro para mim mesmo. Já vi alguns casos na internet de pessoas entrando em lugares assim e encontrando pessoas usando de abrigo. – Tem alguém aí? Alô?
Espero alguns segundos na espera de alguma resposta ou barulho. Nada? Talvez eu tenha tido sorte, ou estejam se escondendo?, pensei pois já ouvi falar na internet que pessoas ou animais de rua as vezes usam lugares abandonados como lar. De qualquer forma eu não deixaria essa oportunidade escapar.
— Explorar. – Sorrio, seguindo o corredor. Tem algumas portas que estão relativamente em um bom estado comparando com o tempo que este lugar está abandonado. Entusiasmado eu vou tentar abrir algumas dessas portas e fico altamente desapontado ao descobrir que estão trancadas. Eu não consigo conter meu baixo sarcasmo. – Que ótimo! Eu vim aqui pra nada?!
Mas eu sou teimoso então continuo tentando abrir as outras portas, e mesmo que algumas estão trancadas outras parecem abertas porém com alguma coisa pesada me impedindo de abrir.
Quando eu quase perco todas as esperanças a última porta ao fim do corredor se abre quando eu giro a maçaneta, revelando o que parece ser uma simples sala com as paredes lisas cor de creme e um chão de madeira que range a cada passo que eu dou para adentrar ao cômodo.Porém com uma só olhada é possível perceber o quão estranho é esta sala, não a sala em si mas sim os objetos que estão nela. Uma mesa de cabeceira, um abajur de chão, sofa cinza, tapete vermelho, um piano... Estão todas colocadas como se alguém tivesse acabado de se mudar e que ainda não ajeitou os moveis em seu devido lugar, as únicas coisas "em seus lugares" sendo algumas molduras vazias nas paredes, um ventilador de teto e uma escada para o segundo andar ao qual tem uma sacada dando vista para o primeiro andar, que já deve ter vindo com a casa, além das portas é claro, com uma do lado do sofá (que foi pela qual eu vim), uma na parede oposta ao sofá, uma atrás do piano, e duas no segundo andar.
— Com licença, tem alguém aí? – Levanto minha voz com clareza e recebendo o silêncio como resposta. – Que estranho.
Eu sigo reto até a mesa de cabeceira, ouvindo o ranger da madeira a cada passo e abro uma de suas gavetas, ao qual não se tinha nenhum conteúdo. Por via das dúvidas eu abro outras gavetas e descubro que também estão completamente vazias.
— Muito estranho. – Continuo andar mais para dentro da sala com curiosidade. Mesmo com meus tênis eu consigo ver o quão confortável e de boa qualidade deve ser esse tapete.
Chego perto do piano de meia cauda e levanto a tampa das teclas, admirando o quão perfeito estado estão os teclados de plástico do grande piano preto. Estão em perfeito estado. Como isso é possível? Essa sala... Ela é diferente do corredor ao qual estive anteriormente, não há manchas de mofo nas paredes e o chão está limpo considerando as pilhas de poeira nos cantos daquele corredor.
E agora que penso mais sobre isso eu sinto certa familiaridade com essa casa, uma sensação quase nostálgica. Esse lugar é familiar... Mas não é como se eu já tivesse vindo para essa casa antes. Já ouvi relatos online de pessoas que se sentem assim, mas eu tinha visto isso em um fórum sobre um lugar além dos limites do nosso mundo, então sei que deve ser tudo bobagem. Eu balanço a cabeça levemente.— Esquece isso. Foco. – Trilho meus olhos através da sala mais uma vez, até que por fim eles param no segundo andar. Abro então um sorriso. – Quero saber o que tem lá em cima.
Apresso levemente o passo com inquietude, mas ainda vou com certa cautela. O ranger da madeira é mais alto na escada e com cada ranger alto meu rosto estremece brevemente. Quais cômodos será que eu encontrarei aqui em cima? Será um quarto? E se tiver um escritório?! Com várias estantes de livro e uma cadeira? Sim!
Antes que eu perceba, já estou com a mão segurando a maçaneta da primeira porta que vejo com força, porém me vejo hesitar. Eu tenho medo de ter outra decepção porque toda outra vez que saio para explorar lugares abandonados acaba sendo uma bomba. Na maioria das vezes estão quase ou completamente vazias, o que já é uma grande decepção.
Talvez eu tenha dado sorte com essa sala... Mas é bastante provável que sejam apenas móveis que os antigos moradores não retiraram mesmo que seja estranho essa sala parecer estranhamente limpa.Eu suspiro fundo e fecho os olhos com força, abrindo a porta rapidamente. Quando eu finalmente tenho coragem para abrir os meus olhos eu me deparo com uma sacada, não para o lado de dentro, mas sim para o primeiro andar. Dou alguns passos para frente e olho para baixo, vendo um piano de meia cauda, um sofa, uma mesa de cabeceira, um tapete... É como se eu tivesse acabado de sair daquela porta mesmo que eu tenha acabado de abrir para entrar.
Estranhando, eu volto da onde eu... Entrei? Sai? É confuso. Eu volto para a primeira sala e noto uma pequena diferença. A porta que leva até o corredor está fechada, coisa que não lembro ter feito.Rapidamente desço as escadas e sigo até a porta, abrindo rapidamente e sem hesitação. Apenas para ser cumprimentado pela mesma sala, o mesmo piano, tapete... Só que invés de sair pela mesma porta, a porta na qual eu saio é aquela que está oposta do sofá.
— Mas hein?
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PARARELO
General FictionAmante de lugares abandonados e com sede por aventuras onde sempre tenta propositalmente perder apostas para visitar "lugares assombrados". O que fará quando está preso em um desses lugares? Vendo o mesmo cômodo de novo e de novo? Em quanto tempo i...