A poltrona de Frank Machado (conto de terror)

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nunca fui uma pessoa espiritual, muito menos era capaz de acreditar que objetos ou coisas materiais pudessem ter alguma interferência na minha vida, nem mesmo de forma indireta, quem dirá diretamente.
mas tudo isso mudou de um dia para outro, ou melhor, de "um assento para outro"...
antes de prosseguir, preciso dizer: essa não é uma simples história para poder assustá-lo ou algo do tipo! é mais que isto, trata-se de um aviso. não quero vê-los cometendo, exatamente, o meu erro. mas eu sei, aquele velho ditado, que os mais velhos vivem repetindo, é real "se conselho fosse bom a gente não dava, vendia."
não, não estou aqui para lhe vender nada, aliás, mesmo que estivesse, não poderia.

primeiramente porque os mortos não podem vender nada, e também, mesmo em vida, nunca soube declarar imposto de renda, imagino que abrir um negócio agora após a morte seria muito burocrático, já pensou a dor de cabeça?!
como eu morri? provavelmente deve ser uma das perguntas rondando sua cabeça nesse momento, e sim, a minha morte tem relação com este aviso.
tudo começou quando decidi trazer para casa mais um móvel, mas diferente dos demais, este foi encontrado na calçada de um antigo prédio. não sei onde você mora, mas na minha cidade, geralmente quando alguém tem alguma coisa velha, ou que não lhe serve mais, e poderá ser aproveitado por outra pessoa, ela o coloca na calçada de sua casa até vir alguém e pegar para si.

tive a conclusão de que ninguém precisava mais daquela poltrona antiga depois de passar por ela uns 3 dias seguidos e ainda encontrá-la no mesmo lugar. era bonita, eu gostava de coisas mais vintage, e o seu aspecto velho com couro marrom a fazia um tanto sofisticada. somente no dia 4 decidi levá-la para casa.

logo no primeiro dia com ela, após chegar cansado do trabalho (já anoitecendo), quis experimentá-la. a primeira impressão foi muito reconfortante, era macia, o couro não grudava e era incrivelmente relaxante, poderia ficar ali horas e horas.
até aquele instante estava tudo normal, mas quando o relógio da parede bateu exatamente às 00h, algumas palavras desconexas começaram a invadir minha cabeça como se alguém as tivesse as colocando ali dentro, com um martelo em das mãos e pregos na outra.
fiquei um instante atordoado, quando finalmente tive a ideia de escrevê-las... e por que não?!
pego um caderno velho na instante e uma caneta preta em uma mesa próxima e começo a escrever tais palavras. não havia uma ideia nítida do que escrever, até então apenas palavras desconexas saltavam de minha cabeça até o papel.
"frio, perdido, vinho, noite, fogo, sozinho" e continuavam se repetindo.
o estranho que, até o instante pouco antes de escrevê-las no papel, eu não conseguia perceber o peso de angústia que carregava.
quando comecei, senti uma extrema sensação de conforto e segurança, foi quando notei: realmente precisava escrevê-las!
era bom, como se estivesse tirando um peso de minhas costas e uma chama dentro de mim se acendia aquecendo-me.
já havia ouvido algo parecido com isso, pessoas viciadas em cigarro dizem: "somente quando experimentei um cigarro, percebi que nunca havia de fato relaxado na vida, era como se durante toda minha existência estivesse de pé e finalmente pude sentar para descansar."
quando já era madrugada resolvi ir dormir, ao deitar na cama percebo que estou com frio. mas não era de sentir isso, nunca fui. precisei pegar umas 3 cobertas para então conseguir adormecer.

o segundo dia com a poltrona foi semelhante, exatamente a meia noite as palavras vieram e com elas a necessidade de escrevê-las. mas, diferente da última noite, nessa minha boca começou a ficar seca. nada do que bebia adiantava e poderia até mesmo dizer que só intensificava a sede, até olhar para um vinho escondido no fundo da geladeira e resolver experimentá-lo. senti como uma abelha descobrindo o néctar mais puro e delicioso já experimentado em sua efêmera vida.

novamente, palavras invadindo minha cabeça, papel, caneta e uma chama dentro de mim, porém, desta vez, mesmo sentado na poltrona, sentia frio. tão somente quando escrevia e bebia que diminuía.

a garrafa secou sem ao menos perceber. fui me deitar tonto, mas de novo senti frio, dessa vez ainda pior que anteriormente... até que me vem à mente uma das palavras que não parava de escrever: "fogo".
fui até a pilha de papéis perto da poltrona, e comecei colocando fogo no primeiro, depois o segundo, o terceiro, o quarto... somente acendendo aquelas chamas, o frio açoitando minha pele se dissipava.

o terceiro dia foi ainda pior, novamente às 00h, um frio invadiu toda sala, tremendo até minha alma. precisava de mais palavras, mais fogo, mais vinho... a chama me consumia e até então não conseguia me livrar.
a mesma coisa se repetiu até o dia 5, quando decidi sair de casa. infelizmente, temo dizer que não foi muito diferente. as ruas estavam frias, as esquinas pareciam vazias mesmo cheias de pessoas, e o mais bizarro de tudo é (juro por deus) eu estava vendo uma mulher com um vestido de hospital em cada reflexo nos vidros das lojas. se em casa era um tormento, as ruas parecia um verdadeiro inferno.
tive que voltar e me contentar com o que restava: as palavras.
agora elas só aumentavam... "frio, perdido, vinho, noite, fogo, sozinho, casa, rua, esquinas, ela..."

os dias se passavam e o tormento era cada vez pior. no décimo dia a fúria e a revolta me consumiu. nada que estava na minha frente naquela sala foi poupado. os vidros da porta, a estante, os livros, a mesa, a cômoda, e principalmente a maldita poltrona. ainda no surto, quando a virei de cabeça para baixo, vi um nome gravado em alto relevo, levemente dourado, quase da mesma cor da poltrona (o que explicaria porque até então não havia visto), o "Frank Machado" bem ali.
fui pesquisar e descobri se tratar de um escritor um pouco famoso nos anos 90. sua fama se deu principalmente depois de sua morte. não havia muita coisa sobre ele, apenas sua falecimento em 1994 e as pessoas o haviam apelidado de o "escritor louco" depois da morte de sua esposa em 1993.

sim, aquilo impactou-me, que merda isso queria dizer?! como falei anteriormente, eu não acreditava em fantasmas, muito menos que objetos poderiam atormentar alguém. isso tudo não passava de uma bobagem, e eu iria provar, estava decidido a ficar com a poltrona.

o tempo foi passando, cada vez mais o frio me consumia, e a necessidade de mais fogo era dia após dia maior... eu não sei quando, mas certamente comecei a perder o sentido de "pouco e muito", porque quando acordava na manhã seguinte meus braços estavam queimados.

certa noite tive um despertar, enquanto colocava fogo em um papel, percebi meu braço em cima das chamas, somente nesse momento também pude notar: a tinta com a qual as palavras estavam escritas era vermelha, mesmo a maldita caneta que usava sendo preta... minhas pernas sangravam, mas não havia dor, tudo que conseguia sentir era que estava ficando cada vez com mais frio.

o frio era tão grande que meus sentidos de sobrevivência só queriam acabar com ele.
já não estava sob o controle de mim mesmo.
foi tudo muito rápido, pelo menos, para mim. pareceu como um piscar de olhos, em um instante as cortinas na parede estavam pegando fogo.
a mesa, a instante, estava tudo em chamas.
não havia para onde ir.
não havia escapatória.
sentei-me na poltrona, comecei a sorrir.
peguei um último papel, que começava a queimar,
e escrevi com meu próprio sangue (enquanto podia ver minha perna ardendo em chamas):
"finalmente, o frio não está mais me consumindo."

você já deve ter imaginado o final, mas algo até hoje ainda me deixa apavorado, mesmo após a minha morte. a poltrona, a mesma que trouxe minha ruína, meus pesadelos mais horríveis e uma morte que nem mesmo nos meus maiores delírios imaginaria, estava intacta. somente cinzas a cobriam quando na outra manhã já não restava mais nada. não havia mais casa, sala, papéis, muito menos minha existência, mas aquela maldita poltrona estava ali no meio de todo o caos que ela mesma causará.

e aqui resta meu alerta, o aviso de um morto que não sente mais frio: fiquei sabendo que ela ainda se encontra até hoje por aí, em alguma calçada esperando uma pobre alma desavisada pegá-la.

se você não deseja conhecer o inferno, em forma de tormento, ainda em vida, não retire a poltrona da calçada!

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