Fazia frio àquela noite.
A ponte sobre o Rio Verde repartia as águas sem reclamar. Ela possuía um estilo antigo, de arcos finos e pedras cortadas e encaixadas tão perfeitamente que mal se via as separações. Pedras brancas pontuadas e listradas de preto, como não se via em nenhum outro lugar do mundo. Esse era o estilo da antiga Era.
Porém, a beleza das pedras e da arquitetura havia sido ferido por algo mais importante. Isso porque uma construção grotesca de madeira agora a ocupava a ponte de uma extremidade à outra: um posto de alfândega. Essa era a nova Era cobrando imposto.
Ela começava com um portão de ferro e terminava com outro, ambos trancados com travas de madeira. Dentro, salas estreitas de ambos os lados, onde os soldados guardavam as mercadorias confiscadas e o material de trabalho: tabuletas em branco e lanças, principalmente.
Na passagem, quatro mesas serviam para cobrar os impostos e registrar tudo que passava pelo posto, porém, àquela hora da madrugada, apenas uma era ocupada.
- Isso é uma merda!
Um soldado enfurecido bateu contra a mesa e os dois dados pularam, mudando do onze para o sete. Não adiantava mais.
- Topo. Ha, ha!
O outro soldado escancarou a boca em uma gargalhada, segurando na mão o copo que acabara de virar com os dados.
Os dois homens estavam enrolados em cobertores de lãs. O esquentado se chamava Fotos, o contente era conhecido como Come-corda. Os dois começaram como capangas de um mesmo Eleitor e depois ganharam uma indicação para a Guarda Municipal. Os dois também morreriam nas revoltas daquele ano, esfaqueados pelas costas. Inevitável.
Fotos se recostou na parede e cruzou os braços:
- O que fez com esses dados?
- A pergunta certa é: o que eles fizeram comigo? - Mais do que satisfeito, Come-corda puxou as duas moedas de prata para a pilha razoável que se formava do seu lado da mesa. - Comecei a noite com o par de chifres empenhado, vou terminar com prata suficiente pra uma semana com o melhor par de tetas da cidade!
- Com a minha prata.
- Tome.
O soldado empurrou os dados de osso para o colega.
- Veja se tem algum prego aí.
O esquentado cruzou ainda mais os braços por baixo do cobertor e se recusou a examinar os dados. Afinal eram seus. O direito de propriedade não evitou que perdesse oito das nove rodadas.
- Vamos mais uma? - perguntou Come-corda.
A resposta estava na ponta da língua, mas um chamado no portão espantou as palavras.
- Ei!
- Quem desgraça...?
Fotos girou na cadeira e encontrou um garoto de onze anos parado junto às barras de ferro do portão. Um típico ambiano, de pele cor de cobre e cabelo crespo.
- Portão fechado, moleque! - berrou o soldado. - Volte quando o sol queimar sua cabeça. De manhã. Jogue logo esses dados. - E botou mais uma moeda de prata na mesa.
- Ei! - chamou o garoto.
Come-corda botou os dois dados no copo e o girou, deixando o sorriso deslizar pelos lábios.
- Ei!
- Mas que diabos! Eu vou dar uma lição nesse garoto.
- Deixe - apressou-se o Come-corda, parando os dados dentro do copo. - Eu falo com ele.
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a Coruja na Neblina
FantasyA cidade respira. O pântano, drenado na Era dos Magos, hoje é a porta de entrada dos mercantes e marinheiros, onde a prata cobra o preço da honestidade e o ouro atrai os sonhadores, os desiludidos e os mau-caráter. Rom chegara em uma noite...