C-II: Repetição.

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O que? Mas eu... Hein?

Completamente confuso olhando para frente onde o sofá está e depois para atrás de mim da onde eu vim. Eu balanço a cabeça e sigo em frente e viro a esquerda em direção à porta ao lado do piano, atrás dela o mesmo cômodo mas pela porta do segundo andar. Eu fecho a porta e abro novamente, o mesmo cômodo.

Não. Não, não não.

Procuro alguma coisa em volta, talvez alguma saída, uma janela ou um buraco na parede. Alguma coisa, qualquer coisa.

Nada.

Perguntas e perguntas e perguntas se formam em minha cabeça, uma espiral infinita de perguntas e argumentos formando um debate infinito no meu cérebro para que eu consiga compreender de forma racional o que exatamente está acontecendo. Estou parado no lugar e pensando tanto sobre esse lugar que esqueço que eu estou aqui, me distraindo da minha situação porque estou pensando em minha situação.

— Não. Dez. Até dez. – Eu fecho os olhos e seguro minha cabeça com as duas mãos enquanto eu respiro fundo. – Um... Dois... Três... Quatro...

Pra dentro... E pra fora... Isso. Calma. É só respirar...

Eu mantenho minha cabeça baixa e meu corpo relaxado enquanto faço alguns exercícios para me acalmar, porque a última coisa que eu preciso agora é ter pensamentos avassaladores ou entrar em pânico. Tem que haver uma explicação lógica para isso, tem explicação lógica para tudo!
Eu sei que sou uma pessoa que gosta de explorar lugares assim mas nunca pensei que alguma coisa realmente iria acontecer. Onde estão os fatos científicos quando você precisa deles?

Eu me sento no chão e refaço alguns exercícios quando sinto meus pensamentos ter turbulências de novo. Eu preciso focar em algo, mater minha ocupada.

A primeira coisa que vejo ao abrir os olhos é o tapete vermelho. Eu coloco minhas mãos nele, sentindo o tecido felpudo é macio na minha pele enquanto eu percebo um padrão desenhado em ondas de um vermelho um pouco mais escuro que eu não tinha percebido antes.
Eu brinco com o pelo do tapete enquanto eu sinto minha mente relaxar e distanciar os pensamentos estressantes, aí então eu descanso minhas mãos em meu colo, olhando eu volta.

Eu me vejo encarando as portas por algum tempo. Eu me levanto e lentamente ando até a porta atrás do piano, que, ao abrir, me deparo com o mesmo cômodo, mas claro que eu sai por outra porta, cerro minhas sobrancelhas ao ver a mesma sala mais uma vez.
Isso não faz sentido. É claro que não faz. Eu balanço a cabeça e volto pela porta pela qual eu saí, a de trás do piano.
Me sento no banquinho do piano, colocando os cotovelos na tampa das teclas e as mãos embaixo do queixo. Eu preciso pensar.

A primeira coisa que vem em minha mente é que eu estou obviamente dormindo, então eu imediatamente aperto minhas bochechas e puxo com força, rapidamente soltando ao começar a doer. Prontamente depois eu tento beliscar meu braço.

— Ai! Não, não é isso. – Eu acaricio o braço enquanto sinto minhas bochechas arderem. – Será que eu não estou dormindo?

Eu penso por poucos momentos até que dou um tapa na minha própria testa. Mas é claro! Quando você percebe que está sonhando o sonho se torna um sonho lúcido! Então eu supostamente consigo controlar esse sonho.
Eu fecho os olhos e penso muito forte sobre acordar na minha cama confortável, eu sinto o brilho do sol na pele, a brisa do ventilador, o calor do meu cobertor e então eu abro os olhos, me deparando... Com a sala.

— Que droga. Então será que posso controlar outra coisa? – Eu me levanto mais uma vez e abro a porta com o pensamento de ir para o próximo cômodo. Nada. Talvez eu devo imaginar o cômodo? Eu fecho a porta e com ela os meus olhos, imaginando uma cozinha velha, esquecida e basicamente vazia. Ainda de olhos fechados eu abro a porta, ansioso pelo que imaginei e entusiasmado eu abro os meus olhos com um sorriso, apenas para ficar frustrado com a visão da sala mais uma vez e com uma verdade inegável. – Não tô sonhando.

Eu volto mais uma vez para o piano e solto um suspiro carregado. Deixo a testa cair nas teclas do piano fazendo um som desagradável, ao qual eu rapidamente levanto a cabeça em um susto.

— Espera. Desde quando a tampa tá levantada? – Eu me levanto e dou alguns passos para trás. – Eu não levantei isso. Tem alguém aí?! Saía d'onde você estiver!

Eu grito para o nada, olhando eu volta enquanto dou alguns giros na sala e quase ficando tonto. Eu vou até ao tapete com fúria e tiro ele do lugar levantando-o, para apenas ver o piso de madeira sólido por de baixo.
Alguém tá brincando comigo.
Confuso e ainda com raiva, eu começo a pular na madeira e batendo o pé com força quando as pernas cansam. Mas parecia ser completamente sólido.

Se mais alguém tá aqui e esse alguém tá brincando comigo, então eu só preciso andar em uma linha reta até encontrar o fim dela!

E é exatamente isso que eu começo a fazer. Eu corro até uma das portas e sigo em linha reta, eu desço as escadas pulando alguns degraus se for preciso e quase arrebento algumas dessas portas sem o mínimo de consideração.
Eu passo bons minutos indo em direção do que acredito ser a horizontal e quando percebo que não estou nem perto do fim eu decido virar e seguir o que confio ser a vertical. Dessa vez dura pouco tempo porque após muito tempo correndo é óbvio que alguém iria se cansar.

Eu coloco as mãos no joelho bufando e com falta de ar, mas com ar suficiente para dar um grito alto, tão alto que sinto o sangue na minha garganta.
O suor escorre pela minha testa e pingando, minhas pernas fracas e minha visão brevemente turva. Por que? O que é esse lugar? Por que tô aqui? Preso. Como que saio daqui? Isso tem que ser um sonho. Tem que ser. Tem que ser...

E então me dou conta. Se esse lugar realmente for um sonho e eu não consigo acordar por vontade própria, significa que talvez, muito provavelmente...

— Eu tô em coma. – Eu olho para minhas mãos e sorrio. – Eu tô preso na minha própria cabeça.

Eu começo a rir enquanto eu sinto o que deve ser lágrimas passando pelo meu rosto. Enquanto eu tento negar e admitir a mim mesmo que não tem outra solução. Mas os risos se tornam grunhidos de fúria. Minha visão fica totalmente vermelha de raiva enquanto esse é o único sentimento que existe de dentro do meu ser. Raiva.

Eu sinto alguma coisa na minha mão, é fria e metálica, longa. Logo penso que peguei o abajur de chão. Depois, eu escuto sons grotescos e desagradáveis, quase tristes. Eu devo estar quebrando o piano com o abajur, batendo contra as teclas, contra as peças que formam o piano: as cordas, pernas, parafusos. Tudo. Tudo que forma o piano começa a se desfazer pelas minhas próprias mãos. Eu escuto rasgos do sofá e a madeira da escada, da mesa de cabeceira se rachar e se quebrar.
Todos esses sons junto ao som metálico do abajur que, em algum momento, se quebra em pedaços e a lâmpada de dentro se estilhaça em milhares de pequenos pedaços enquanto eu piso ao andar de um lado para o outra da sala e quebro tudo.

Eu não sei quanto tempo se passou e quando eu me dou conta do que eu fiz e quando minha visão volta ao normal, estou deitado em cima do tapete vermelho, em cima dos milhares de cacos de vidro onde alguns estão até em minhas mãos, impedindo o sangue de sair pelos furos.
Por algum milagre até mesmo o ventilador de teto está caído no chão, as molduras de quadro  estão partidas e rachadas junto com o vidro dessas molduras.

Eu viro o rosto e observo minha mão. Tão real. E então outra alternativa surge na minha mente. Outra possível possibilidade.

Talvez eu não esteja em coma, talvez eu só esteja louco.

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