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Ainda me pergunto, o que teria acontecido se eu não tivesse aberto aquela carta.

Naquela tarde, a cidade estava mais calma do que nunca, como se tivesse percebido a tensão formada durante a manhã. O clima estava bem ameno, em contraste com o frio extremo da região, tanto que haviam alguns pássaros gorjeando nas árvores. Mesmo com toda essa calmaria, minha mente estava pegando fogo. A carta tinha trazido uma grande dor de cabeça e um dilema que definiria minha vida e meu futuro. Para tentar entender um pouco mais a situação em que me encontrava, resolvi fazer algo que tinha se tornado normal nesses meses: visitar meu filho Stuart.

Meu garoto. Talvez se você visse ele atualmente, enxergasse apenas um grande homem, o que é verdade. Ele me dá muito orgulho com o que se tornou. Um pai de família forte e independente, além de ser gerente do maior porto da cidade. Com isso ele se tornou um dos homens mais bem sucedidos do país. Pelo menos na minha visão.

Me levantei, ainda desconcertado depois da longa hora anterior, e me dirigi a minha sala. Precisava pegar meu casaco e minha bolsa de ervas.

A sala era bem espaçosa, com uma escrivaninha robusta de madeira avermelhada antiga, envernizada e repleta de papéis diversos. No canto, estava posicionada uma garrafa de vidro grande e brilhante, com uma réplica esplêndida de um drakkar viking de 100 remos.

A história desse drakar é digna de um livro. Ele foi construído a aproximadamente 1200 anos com o objetivo de atravessar o mar do Norte. Contando com um número absurdo de 100 remos, ele rompeu uma tempestade nunca antes vista com muita facilidade e atracou na ilha de Skaphroun, fundando a cidade onde nasci e onde moro atualmente. Segundo minha mãe, quem comandou esses homens foi Skaros, um grande líder e o mais nobre antecessor dos Stein. Dizem que ele era duro como uma rocha, tanto liderando quanto batalhando.

Essa réplica é o bem mais importante da minha coleção e uma inspiração para lutar dia após dia pelos seus objetivos.

Examinando a primeira gaveta, encontrei algumas penas e papéis de carta. Na segunda estavam algumas cartas antigas, um relógio de bronze encardido e uma bússola antiga de meu pai. Na terceira, finalmente encontrei minha bolsinha de couro que contém diversas ervas medicinais. Me perguntei por que ela estava tão escondida e me dei conta de que estava bem mais confiante do que há alguns anos. A volta a Skaphron me deixou bem mais descuidado, o que era péssimo. Terei que visitar a loja de Lewis para me reabastecer com as ervas.

Vesti meu casaco velho de viagem, coloquei a bendita carta num bolso frontal maior e me dirigi à saída. Quando virei para verificar se não havia esquecido nada, me deparei com uma placa prateada reluzente onde estava escrito "Ethan Stein". Um nome que tinha sido amado, respeitado, mas principalmente, odiado.

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Chegando do porto, fui diretamente ao departamento de Stuart. Depois de longos 10 anos gerenciando aquele porto, conhecia cada buraco daquela espelunca. Além disso, meu filho sempre me consultava sobre qualquer mudança. E quantas mudanças.

O lugar todo tinha sido reformado como nunca, mesmo na minha administração. Stuart era tão inovador quanto eu era conservador, por isso o porto estava cheio de navios de todo o mundo, muitos dos quais eu nem tinha ouvido falar.

Bati na porta, que logo se abriu, revelando um cômodo que outrora fora meu. Se eu não conhecesse a estrutura, não poderia identificar como minha antiga sala. Ela era bem mais moderna e planejada. Tinha várias estantes com várias coisas, desde livros até peças de motor de navio.

—Boa tarde pai, eu precisava mesmo falar com você – cumprimentou-me meu filho – a fábrica tem tomado muito do meu tempo, ainda mais com o filho da mãe do George na burocracia, hehe.

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⏰ Last updated: Mar 26, 2023 ⏰

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Cinzas do passadoWhere stories live. Discover now