Posion - 6

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POV Kuroo

Dois dias antes...

Chego em casa depois da escola e vejo meus pais conversando amigavelmente. No mesmo instante sinto um calafrio. Isso nunca acontece.

— Oi, Kuroo. Tudo bem? Como foi seu dia? — Minha mãe pergunta.

Ok. Isso definitivamente nunca acontece.

— Bom... eu acho.

Me sinto arisco quando me sento a mesa. Meu pai já colocava a comida no prato enquanto minha mãe terminava de adoçar o suco. Começamos a comer e tudo o que eu ouvia era o barulho dos talheres batendo no prato, meu pai mastigando igual um porco e a TV ligada.

Na metade do meu prato, estava até feliz pelo clima — que geralmente é coberto de brigas e gritos, então o silêncio é ótimo — a TV começa a falar sobre como a comunidade LGBTQ+ está ganhando voz, superando os preconceitos. O jornal mostrava imagens de passeatas e protestos.

A matéria era importante, mas minha mão  ficou gelada e dura como uma rocha. Meu coração acelera e me forço a engolir um pedaço de peixe. Odeio assistir televisão na hora do jantar. Uma coisa assim sempre pode acontecer. Tudo piora quando meu pai faz um barulho de desgosto.

— Isso não é normal. Essa coisa de homem beijar homem e mulher beijar mulher. Deus fez o homem e a mulher para um propósito. Não sei como o governo está tolerando essa baderna. Na minha época não tinha essa coisa de viado, não.

— Concordo. — Minha mãe fala. — Todos vão para o inferno. E ainda eles tem a audácia de culpar Deus por isso, sendo que eles quem escolheram pecar.

O meu nervosismo é instantaneamente substituído pela raiva. Minhas mãos começam a tremer e eu ranjo os dentes, tudo isso acompanhado com uma vontade grande de chorar. E gritar. E falar tudo o que está entalado a anos. Mas não falo nada.

— Eu tenho que ir. Estou atrasado para o trabalho.

Essa é a única coisa que digo, e me apresso a sair antes que meu pai comece com uma lição de moral sobre seu único filho ter um trabalho de meio período em um bar. Mal ele sabe que peguei esse emprego justamente por causa dele e da mãe. Quero sair logo desse inferno e o salário de estagiário na escola não é o suficiente.

Pego meu celular, chave do carro e saio. Chegando lá fico no balcão arrumando algumas coisas. Por ser quarta-feira, o bar estava praticamente vazio. Atendi uma pessoa ou outra que queriam beber. O resto veio aqui pela comida. Vendemos uns hambúrgueres caseiros deliciosos. Às vezes, como alguns sem que o gerente saiba.

Estava terminando de passar um pano no balcão quando ouço alguém se sentar no banco em frente. Secando a mão, pergunto sem olhar para cima:

— Vai querer algo?

— Não, eu só-... — Essa voz... Kenma?

Podem me chamar de louco, mas a voz dele é bem única. Suave e baixa, muito boa de ouvir.

— Kenma? — Coloco meus pensamentos em palavras.

— Oi..? — Ele fala parecendo mais surpreso que eu.

— O que está fazendo aqui?

— Me obrigaram a vir. — Ele diz apontando para a mesa com os amigos. Acho graça.

Imaginei que seria algo do tipo porque, de todas as coisas que imagino, nunca pensei que Kenma fosse a um bar.

— Por que? — Questiono.

Ele parece pensar um pouco olhando para o balcão, mas depois revela que tem dezoito anos. Reprimo um sorriso tentando fazer uma cara de confusão. Mas não consigo conter a surpresa.

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