Capítulo Único

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Era incrível como tudo era melhor com Gilda.

Fazia dois anos que Leonel havia sido morto pela filha e que sua mulher teve que tragicamente assumir a direção do Grande Hotel Budapeste. Desde então, o controle do estabelecimento nunca esteve mais organizado. Com a comoção do assassinato do marido e o carisma indiscutível que tinha, Gilda conquistou o apoio da cidade inteira, se tornando mais amada do que já era. Além disso, não reclamava do poder - era viciante. Ela adorava a influência que tinha ali. Sabia tudo de todos, e usava isso a seu favor.

Pelo bem da sua atuação como viúva solitária, ela fez uma homenagem a Leonel no hotel. Foi lindo, porque, apesar de não dar a mínima para ele, precisava fingir que ainda sentia a sua falta. E, óbvio, ela era uma ótima anfitriã, sendo elogiada pelos seus convidados. Talvez um pouco até demais pelos homens.

É claro que Gaspar tinha percebido isso.

Após a celebração, os dois foram para a casa dela, com a desculpa do gerente a acompanhar por educação. Assim que fechou a porta, ele admitiu. "Não gostei nada de como tavam olhando procê hoje."

Realmente, Gilda estava deslumbrante com seu vestido azul - não que já não fosse de perder o ar naturalmente. "Ciúmes, Gaspar?" Ela se virou para ele, o encarando. Ele sempre se incomodava com isso em eventos, e ela sabia. Era divertido.

"E ocê fica dando trela pra eles, né?" Cruzou os braços. Era inacreditável para Gilda como ele ficava ciumento com ela simplesmente conversando - e flertando - com outras pessoas. Como tudo na vida, ela tirou proveito disso.

"Não sei... tinha muita gente influente lá no hotel, muito mais que um gerente qualquer." Ela o provocou, sorrindo. "Quem sabe eu não deixo alguma coisa acontecer?" Se aproximando, ela segurou a gravata dele, o puxando para um beijo. "Tem problema?"

"Demais." Ele murmurou, antes de recobrar a razão e se separar um pouco, olhando em volta. "Não tem mais ninguém aqui?"

"Mandei todo mundo embora mais cedo." Gilda explicou, empurrando-o para o sofá, logo se juntando a ele. "Enfim, sós."

Gaspar retomou o beijo, colocando a mão na nuca dela. "Ocê é perfeita, Gilda." Nem percebeu direito que havia falado isso em voz alta, se sentia completamente fora de si na presença dessa mulher.

Foi somente o comentário dela que o fez notar que, sim, ela havia escutado a frase. "Sempre o galanteador." De repente, ela se lembrou de algo e levantou a cabeça, com os braços apoiados no peito dele. "Ah, falei com a sua mãe hoje."

Ele franziu o cenho. "Minha mãe? Sobre o quê?"

"Negócios, junto com seu pai." Ela deu de ombros, desconversando. Mal contia seu sorriso confiante. "Mas fiquei sabendo que ela está torcendo para que eu não resista às investidas de um certo funcionário do hotel."

Gaspar riu. "Mal sabe ela..." Ele a beijou novamente, mas, dessa vez, Gilda parecia distante, mal o correspondendo. Estranhando, ele se afastou, confuso. "Uai, o que foi?"

"Nada demais. Eu estava pensando no que a sua mãe disse..." Ela suspirou, se sentando no sofá. "Sobre como ela era orgulhosa dos três filhos."

Também se endireitando, ele afrouxou a gravata, a tirando e a colocando de lado. "E qual é o problema?"

Gilda revirou os olhos, ficando de pé. "O problema é que eu também quero ter filhos, Gaspar."

O silêncio dominou o ambiente, a afirmação não dita, porém conhecida, pairando no ar: ela não podia engravidar.

"Ocê ainda não desistiu dessa ideia?" Gaspar perguntou, a seguindo até o centro da sala, deixando seu terno no sofá.

"Não é tão fácil assim, você não entende." Ela estabeleceu o óbvio, semicerrando os olhos. Então, suspirou de novo e balançou a cabeça em negação. "Mas eu preciso parar de remoer isso. Não tem como acontecer, mesmo."

Ela soava triste; ele odiava vê-la desse jeito. Não conseguia evitar lhe oferecer outras soluções. "Bem... ocê sempre pode adotar."

"Claro que não, não seja idiota. O que as pessoas iriam pensar?" Ela desprezou o que ele falou. "Você sabe como eles são. Uma mulher viúva, dona de empresa e mãe solteira? Inaceitável."

"E quem disse que ocê precisa ser mãe solteira?"

"Ora, Gaspar, faça-me o favor! Quem seria o tal pai dos meus filhos? Você?" Ela debochou, começando a sair do cômodo, desinteressada.

"É." Antes que ela pudesse se retirar, porém, ele segurou seu braço. "Escuta, Gilda, tem uma coisa que eu tava querendo falar procê faz tempo."

"Se for sobre esse assunto, eu não vejo o porquê de-" Suas reclamações se aquietaram quando sentiu o aperto em seu braço descer até a sua mão e viu Gaspar se ajoelhando. Isso a calou.

"Nós já nos conhecemos há tanto tempo. Já estamos juntos há tanto tempo, Gilda. Eu faço qualquer coisa que ocê me pede. Você é a mulher da minha vida." Ele entregou seu coração para ela, e então fez o que estava esperando a chance por anos: tirou uma caixinha preta do bolso e a abriu, revelando um anel de rubis. A pedra preciosa favorita dela. "Casa comigo?"

Gilda a encarou, congelada no lugar. E ela riu. Riu alto.

"Você só pode estar brincando!" Exclamou em meio às gargalhadas. "Por acaso você carrega esse anel no bolso o tempo todo?"

"Ora..." Ele se levantou e ajeitou a camisa, desconfortável. Não era essa a reação que esperava. "Eu tava procurando o momento certo."

"Ah, Gaspar, francamente..." Gilda recuperou o fôlego, ainda sem levar a proposta a sério. "Casamento?"

"Eu tô cansado de ficar escondendo o que a gente tem por causa do que vão pensar. Porque ocê não quer ficar falada pela cidade, o que nem ia acontecer. Eu quero casar com ocê, Gilda." Reunindo o resto de dignidade que tinha, ele lhe ofereceu a caixa mais uma vez. "E até meus pais apoiam, ninguém vai ser contra."

"Eu sou contra! Ponha-se em seu lugar, você é só um gerente. Um zé-ninguém. Eu nunca vou aceitar, pode mandar devolver esse anel e pegar o seu dinheiro de volta." Ela fechou a caixa, e ele guardou o objeto no bolso. "Sem falar que só faz dois anos desde que o velho morreu. Ou vai me dizer que não iriam achar cedo demais uma viúva ter um relacionamento, ainda por cima com você? Será possível que você não pensa em nada?"

Gaspar não respondeu, a crueldade e humilhação da rejeição o prendendo ali. Só conseguiu ter qualquer tipo de reação quando Gilda passou por ele sem olhar para trás. "Pra onde ocê tá indo?"

"Pro meu quarto. Você sabe onde é a saída. Quando tiver parado de falar essas bobagens, pode voltar a me visitar." Afirmou sem deixar espaços para interjeições ou questionamentos, indo embora.

Sozinho na sala, Gaspar a observou até que ela sumisse de seu campo de visão. E achava que o pior que ela podia dizer era 'não'... seu coração havia sido completamente quebrado, pisoteado e incendiado. Era a Gilda, o que mais podia esperar? Mesmo assim, não jogaria o anel fora nem o devolveria. Não desistiria. Engolindo o orgulho com uma pitada de derrota, ele não foi atrás, preferindo deixar a casa por hora. Não seria a última vez que faria o pedido, tinha certeza, os sentimentos que tinha por ela não desapareceriam. Só torcia para que Gilda aceitasse.

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