Como é escuro e frio o fim. Como é desagradável, tempestuoso e inevitável. Por vezes imprevisível, por outras chega de mansinho, como que à espera que o notemos para nos fazer desabar aos poucos.
Para Catarina foi algo assim entre os dois; como o bater das asas de um pássaro, num momento ele estava lá e, no outro, já não. Ela previra, sabia que algum dia ele iria voar para longe, mas não o esperava tão cedo.
Sempre ouviu dizer que o que é bom dura pouco, que tudo tem um desfecho algum dia, mas Catarina recusava-se a pensar que o fim deles estava tão próximo assim. Odiava finais, bons ou maus, queria o para sempre, e Ruben sabia-o mais que ninguém. Odiava a tempestade que estes traziam consigo, odiava o vazio, o abismo para onde a atiravam.
Os primeiros dias foram os mais difíceis, não que os que se seguiram tenham mudado de rumo, mas a dor ajusta-se no nosso sistema e deixa de ser novidade. A casa permanecia fria pela lareira apagada que só Ruben costumava acender e preenchida por um silêncio ensurdecedor. A cama parecia agora maior do que na verdade era fazendo-a enrolar nos lençóis gélidos e deitar do lado e na almofada dele em busca do calor e do conforto que não voltaria a ter. O pó acumulava-se nos cantos da moradia, as cartas na caixa de correio, as mensagens no voice mail, a tristeza no coração e as plantas nos parapeitos das janelas começavam a murchar ignoradas num lamento. Até mesmo Sebastian, o gato, se limitava a míseros sons para não incomodar a dona que pressentia não estar no seu melhor, não deixando de a acompanhar no processo acarinhando-a como sabia. Já nem asneiras fazia com receio de a entristecer ainda mais.
Perseguia-a pela casa quando esta ganhava coragem para se levantar de modo a responder às necessidades básicas e o alimentar. As janelas mantinham-se praticamente fechadas, com os raios de luz a trespassar incansavelmente por onde conseguiam permitindo distinguir os móveis na escuridão.
Os dias foram correndo, as semanas voando, pouco dando para diferir o decorrer do tempo pelo ambiente incutido. A primavera chegou ensolarada, embora o frio que se fazia sentir, com o canto dos pássaros num tom abafado do outro lado da janela do quarto num aviso de que já havia passado tempo suficiente sem ele. Era um castigo eterno que não queria cumprir.
Para Catarina a vida havia parado, — por vezes arriscava-se a dizer que havia terminado — mas o mundo a girar e a acontecer lá fora, o seu coração a bater e as emoções fortes que sentia, recusavam-se a fazê-la crer nisso verdadeiramente.
As chamadas das colegas de trabalho e as mensagens dos seus superiores começavam a aparecer com mais urgência. "Sei que estás num momento delicado, mas quando vais conseguir vir?", "já se passaram semanas querida, está na hora de ultrapassar".
Quando as lia debaixo dos lençóis com a luminosidade do ecrã a fazer arder-lhe os olhos, a raiva misturada com a melancolia subia de repente fazendo-a atirar o telemóvel para trás de si e ignorar a vida por mais uns dias. Sentia que ninguém a compreendia.
Eventualmente, percebeu que iria deixar de conseguir adiar o seu regresso. As cartas de contas por pagar amontoavam-se obrigando-a a regressar ao passo do mundo.
Assim, numa madrugada em que a insónia havia batido à porta complindo-a a pensar sobre tudo e nada ao mesmo tempo, decidiu ganhar coragem e marcar o alarme para duas horas antes do horário de trabalho de forma a regressar na manhã seguinte; as contas não se pagavam sozinhas e a vida continuava a acontecer por muito que se recusasse a aceitar.
Nessa madrugada, pousou o telemóvel e remexeu-se para tentar dormir. Mas não teve sucesso. Estava irrequieta e ansiosa. As memórias com Ruben atordoavam-lhe a alma.
Irritada e incompreendida com os olhos a lacrimejar, atirou os lençóis para o lado, sobressaltando Sebastian que dormia profundamente. Ligou a luz do candeeiro na mesinha de cabeceira e levantou-se a custo dirigindo-se para o corredor. Percorreu-o em direção à cozinha seguida pelo gato sonolento.
No entanto, ao passar pela sala de estar, deteve-se no caminho. Lá dentro a escuridão aclamava-a.
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Deixar-te Ir [Conto]
Kısa HikayeCatarina perdeu a pessoa que mais amava. Sem Ruben, a vida já não lhe parece mais promissora. Ele era a sua luz, o seu porto seguro, o seu verdadeiro amor. Agora, a casa que ambos partilhavam está fria e vazia tal e qual o seu coração. Com o passar...