Seis - Eu e Tu. Não negue a sintonia

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Youngjae... — Chamou com os olhos arregalados. Aproximou-se da porta de numero 868, fazendo o outro abri-la um pouquinho mais, curioso; acenou com a cabeça, indicando que estava ouvindo. — Meu pai citou alguma coisa ruim sobre mim?

— Ruim? — Questionou Yoo, encostando a testa na madeira. Poderia "dedar" Senhor Jung, mas aqueles eram problemas familiares que não lhe diziam o mínimo de respeito. — Não, de jeito nenhum.

Pôde ver a expressão de seu vizinho suavizar e um assopro de alívio passar por seus lábios avantajados. Lábios aqueles que Youngjae passou tempo demais observando e se perguntando como podiam ter aquele tamanho; quando percebeu onde os olhos do moreno estavam fixados, Daehyun lambeu-os e sorriu de lado. Incomodado, o novo morador pigarreou e observou os chinelos azuis nos pés.

— Você vai fazer alguma coisa hoje à noite?

— O quê? Por que? — Indagou, assustado com a pergunta repentina. Viu o sorriso de Jung aumentar ainda mais. — E-Eu... Não sei?

— Como você é novo por aqui eu podia te mostrar a cidade. Conheço ótimos lugares para pas...

— Ah, desculpa. Fica para outro dia, tenho que trabalhar. Agradeço o convite. — Fechou a porta na face do outro, sentindo o coração acelerado. Se era de vergonha ou outra coisa, ele não sabia. Preparou mais um café e voltou para o quarto, não pretendendo sair de lá até a hora do trabalho, para evitar futuros constrangimentos. — Ele piscou para mim? Ele acabou de me chamar pra sair? Foi isso mesmo? — Perguntou para o vazio, sentado em sua cama. Não conseguia entender como fora xavecado descaradamente por um homem, que ainda por cima era seu vizinho. Só esperava não ser atacado por ele nunca, ou que aquilo se repetisse muitas vezes. Checou o relógio mais uma vez, tendo a certeza de que estava cedo demais para ter preocupações.

...

Daehyun riu sozinho no corredor bagunçado, coçando a nuca desconcertado. Não esperava levar um fora tão... Direto. Já sabia que seu vizinho seria duro na queda e tentar uma aproximação tão logo seria pedir para ser rejeitado.

Não conseguia explicar, contudo aquela sensação boa que percorreu seu corpo ao olhar diretamente nos olhos de Youngjae não podia ser coisa da sua cabeça. As pontadas na barriga e a leve tremedeira também não. A conexão entre eles já havia acontecido e Daehyun podia afirmar que sentia uma atração forte pelo outro, querendo ou não.

Abriu a porta de seu apartamento e correu os olhos pela sala de estar, querendo tacar fogo em tudo aquilo. Por que havia deixado chegar àquele ponto? A bagunça era infinita e nem sabia por onde começar. Suspirou designado e conformado, juntando as roupas e sapatos para guardar.

...

Youngjae saía de seu prédio meia hora antes do horário combinado, temendo se atrasar para o primeiro dia. Estava muito bem alinhado em seu terno preto, camisa igualmente escura, gravata cinza, sapatos de bico fino e deixando seu perfume forte por onde passava. Chamou um táxi e partiu rumo a empresa.

...

A secretária o recebeu com um sorriso falso – que já deveria ter dirigido a dezenas de pessoas naquele dia – moldado nos lábios finos e pintados de vermelho. Passaram pelo hall, onde apenas duas moças estavam sentadas, atendendo telefonemas e mais telefonemas. Entraram no elevador estreito e subiram até o sétimo andar.

"Hm, o número perfeito. Já estou gostando" pensou consigo mesmo, sorrindo animado.

— Aguarde uns minutos que a Senhora Kang já o virá receber.

Youngjae concordou, já explorando o lugar. De onde estava, conseguia visualizar a cidade perfeitamente. Pessoas, carros, casas e lojas. Tudo tão pequeno. O andar era todo revestido de vidro, o que também lhe permitia visualizar o céu azul e sem nuvens. Notou a maciez do piso revestido de carpete vermelho, combinando perfeitamente com os quadros abstratos na parede marfim. Escutou o barulho rítmico de saltos altos e voltou rápido para sua cadeira, fingindo ler uma revista qualquer.

Uma mulher, em seus 40 anos, adentrou o recinto deixando explícito seu poder ali. Todos que passavam, fizeram reverência e não lhe dirigiram o olhar, passando com as cabeças baixas e ombros grudados nas orelhas. Ela se aproximou, deixando-o tão apreensivo quanto os outros; fixou os olhos na revista, sem realmente prestar atenção no que estava escrito. Suava frio.

— Não deveria virá-la primeiro? — Youngjae viu uma mão pequena e cheia de anéis virar o conjunto de papéis que estavam de cabeça para baixo. "Começamos muito bem" pensou, chutando-se internamente. As unhas compridas e bem pintadas de marrom subiram até seu queixo, fazendo-o olhar diretamente para o rosto jovial dela. As sobrancelhas bem feitas, o cabelo loiro e encaracolado – com algumas mechas mais escuras –, a maquiagem pesada e nada colorida, os dentes excessivamente brancos e alinhados. Tudo nela parecia passar respeito. Não dela pra ele, claro. Parecia um respeito forçado, que ela impunha para dar medo nas pessoas e não perder o controle da situação. Afinal, em uma Coréia totalmente machista, uma mulher comandando uma corporação daquelas poderia ser vista por maus olhos.

— Prazer, sou a Kang Hyunjae. Dona dessa magnífica empresa há 26 anos. — Soltou o queixo do rapaz, estendendo a mão para um comprimento.

— Pra-prazer, sou Yoo Youngjae. — Limpou o suor do modo mais disfarçado que pôde, tentando chacoalhar de um jeito que passasse confiança. Sorriu sem mostrar os dentes, visando não demonstrar muita intimidade com a futura chefe. — "Alguém que tem sabedoria". Muito bonito o seu nome!

A loira abanou as mãos, sem dar importância ao elogio e moveu os dedos, chamando-o até uma sala de reuniões, tão elegante quanto os outros cômodos dali. Youngjae andou alguns passos mais atrasado, tremendo até os ossos. Não podia ser considerado um homem corajoso, e estar frente a frente com a chefe frívola não o deixava nada confortável.

— Sente-se. — Ordenou a mulher, arrumando seu vestido verde plissado e permanecendo em pé. Os braços atados as costas, em uma pose gloriosa, observando a vista pela grande janela. — Olha rapaz, eu não estou aqui à toa. Batalhei muito na minha vida para receber o devido respeito e admiração. Gostaria que você o fizesse também. Esse emprego não é para qualquer um e se foi escolhido, um bom motivo teve.

— Vou dar o meu melhor, Senhora Kang.

— Não! — Virou de repente, as sobrancelhas juntas e os lábios apertados. — Não quero o seu melhor. Quero que o seu excelente. Quero o seu perfeito. Quero que dê a sua alma e o seu corpo nesse trabalho.

...

Youngjae saiu no corredor do seu andar, já afrouxando a gravata que lhe sufocava. Os olhos estavam baixos, todo o peso do mundo parecia estar apoiado em seus ombros e a culpa de todos os desastres das pessoas parecia ser sua. Arrastava os pés e sentia uma dor de cabeça irritante inebriar seus sentidos. Escutou o barulho de uma vassoura varrendo fortemente o piso e pensou ser uma das faxineiras do condomínio.

— Boa noite. — Murmurou, sem nem mesmo dirigir os olhos à pessoa. Percebeu toda a tralha e bagunça do corredor terem sumido e a beleza do lugar ter voltado.

— Boa noite, vizinho. — Disse Daehyun, animado. Abanou uma das mãos para o outro, juntando a poeira com a pá em seguida. Yoo deu um mínimo sorriso, sentindo suas forças voltarem – de receio – e andando rápido até sua porta. — Parece cansado.

— É... E estou. — Respondeu simplesmente, tentando encaixar o cartão na fechadura e acertar a própria senha. Sentiu a presença do outro ao seu lado, olhando firme para suas mãos.

— Não quer relaxar? Dar umas boas risadas? Certeza de que vai recusar meu convite para sairmos hoje? — O plano de Jung de dar espaço ao vizinho fora por água baixo ao vê-lo saindo do elevador. Não conseguiria deixá-lo de lado e já aceitava esse fato.

— Mui-Muito obri-obrigado por me convidar, mas amanhã vou trabalhar cedo e estou cansado demais. — Digitou o último número da senha e empurrou a madeira com força. — Boa noite.

— Tem cert... — O barulho da porta fechando em seu rosto fora, novamente, o único consolo para a rejeição que mais uma vez levara.

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