Just Pretend

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O som do vento era o que determinava o fim.

Era difícil para a caçadora dizer quanto tempo mais conseguiria suportar a tempestade que se formava nas dunas infinitas daquele deserto sem fim. Permanecer de guarda em um momento como aquele não daria qualquer fruto. Ninguém seria louco o bastante para continuar os caçando. Mas por mais dessas certezas, a mulher não conseguia acreditar em suas próprias crenças. Ela tinha receio de que o pior pudesse acontecer e se acontecesse, teria ela forças para enfrentá-lo? Seus olhos estreitados já confessavam a resposta. Por mais que quisesse ter fé em seu próprio poder, ela não podia se iludir que era onipotente.

Ainda mais com o ferimento profundo na lateral de seu corpo.

Um rosnado mais do que sincero ganhou força quando as partículas de areia se chocaram contra si e fizeram o corte arder. Como reação, a mulher tentou se proteger à medida que aceitava sua derrota. O vento forte bagunçava seus cabelos e visão, a obrigando a vedar o resto da abertura daquela caverna rochosa em que buscava refúgio. Definitivamente, eles não poderiam continuar em frente. Teriam que esperar que as forças do deserto escondessem seus rastros e desaparecer assim como se iniciou. Nesse pensamento, a esperança da caçadora recaiu para que a tempestade não parasse tão cedo. Que perdesse um dia inteiro naquele lugar inóspito... Tudo para ter mais certezas de suas fugas.

Assim que terminou de selar a saída do local com o longo e pesado tecido, a caçadora respirou pesado, perdendo um pouco das suas forças e acabando por colidir contra a parede áspera e dura mais próxima. O suor se acumulava tão depressa que tentar se livrar dele era um estorvo. Mesmo assim, a mulher não desistiu. Limpou o rosto com a manga de seu longo sobretudo negro e com um pouco mais de coragem, arriscou se mantém de pé por conta própria outra vez. O som ameaçador do lado de fora já não parecia um detalhe que requisitava sua atenção. Pelo contrário, ele apenas a lembrava do maior problema que enfrentaria quando voltasse para o interior do local.

– Será que ele está bem?

Sua pergunta para o vazio foi o melhor modo que encontrou para reorganizar seus pensamentos e voltar com os grandes muros que sustentavam seu espírito. Ela não podia fazer seu amigo se preocupar e se culpa ainda mais, mesmo que no fundo, parte dos acontecimentos passados foram sim causados por suas escolhas.

Ainda assim, a caçadora não tinha nenhum arrependimento e duvidava que os outros pensassem diferente.

Um novo inspiro profundo foi necessário e com apenas esse esforço foi quase que devastador para a mulher. O corte parecia ter se aberto um pouco mais por suas tentativas frustradas de se manter em pleno controle, mas aquilo pouco importava. Ela sabia que não morreria por algo que já estava acostumada a lidar. E mesmo que sua negligência fosse sim um erro, ela estava decidida em se preocupar com isso mais tarde.

Contanto que ela conseguisse estancar seu ferimento, tudo estaria bem.

Sua demora já não era benéfica. Com certo medo, a mulher olhou para o fundo da caverna e somente conseguiu ver a luz da fogueira que preparou às pressas sobre as rochas irregulares. O silencio parcial era esmagador para a caçadora e se obrigando a sair daquele ponto, a mulher se dirigiu em direção da luz. Medindo cada passo dado, a caçadora também se atentava em esconder o sangue que tomava a grossa camisa branca abaixo de seu casaco. Ela tornou a apertar as ataduras que usara mais cedo como podia para estancar sua decadência e depois de um audível resmungo sofrido pelo ato, ela fechou o sobretudo e ocultou seu estado.

Apesar de sua visão já não estar tão boa devido a sua condição e o ambiente por si só desfavorecer a luz natural, a mulher não teve dificuldade em encontrar seu amigo em seu estado mais puro de desolação. O modo como sua cabeça pendia para baixo, evitando que ela encarasse nem que fosse aquele sorriso falso e forçado que odiava do fundo de sua alma. A tensão de seus ombros e a distância que o homem tinha de sua própria arma largada de qualquer forma pelo piso rochoso... Todas essas provas eram o que a caçadora precisava para respeitar a quietude por mais tempo que gostaria.

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