Capítulo 05 - O testamento

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Rafaella

O ruim de deixar as coisas para outro dia é quando ele chega. Era uma manhã sem muitos atrativos, havia comido pouquíssimo no desjejum e evitado qualquer tipo de sol que pudesse fazer arder ressaca de remédio e bebida da noite anterior.

Eu simplesmente não estava para nenhum amigo. Não era para poucos, era para absolutamente ninguém, mas como não tinha alternativas aceitei que tentássemos fazer uma nova leitura ainda essa manhã.

— Quer que eu sirva o mousse? — Perguntou Armênia quando me viu esperando dentro do escritório e outra vez assenti que não. O quanto ela achava que me conhecia para achar que um bolo idiota mudaria meu humor? Deveria ser muito pouco mesmo.

Mas não importava. Não gastaria meu latim com quem não tinha motivos para ser o objeto de minhas grosserias, esse lugar cabia apenas ao maldito do Duarte-Leão que com seu mais novo imbróglio me obrigou a estar mais tempo que o necessário nessa casa.

— Bom dia, Rafaella! Se encontra melhor? Essas voltas de viagem nos deixam esgotados, não é? — Perguntou Daniel me oferecendo uma desculpa educada de bandeja. Se ele preferia negar que eu havia ficado pasma ao saber que meu padrasto tinha uma filha e, que parecia amá-la como nunca me amou, eu aceitaria.

— Sim — Respondi monossilábica sem sequer especificar minha afirmativa. Quando um "sim" estava mais para um "pense o que quiser" as justificativas tornavam-se dispensáveis.

— A Bianca, sua irmã, estará na leitura do testamento — Não que fosse uma surpresa grande, afinal ela parecia a outra parte interessada, mas ainda sim aquilo me pegou sem defesa.

— Primeiro ela não é minha irmã como ele não era meu pai e segundo que você deveria ter me avisado que ela viria a minha casa — Eu disse e ele pigarreou de uma maneira de quem não limpava exatamente sua garganta.

— Acontece Rafaella que essa casa não é mais exatamente sua, mas esse é só um dos pontos que quero tratar — Daniel disse tocando em sua correntinha gravata como se estivesse sufocando. Ele sabia que eu daria uma boa resposta, mas foi salvo pelo gongo quando a porta se abriu.

— Daniel você não disse se era para eu... — Uma mulher começou a dizer assim que abriu a porta.

Ela era baixinha. Suas pernas eram tão curtas que precisaria de bons saltos para ressalta-las. Sua roupa era barata e a banda de roque que tinha estampada na camisa provavelmente se separou no início dos anos 2000.

Seu perfume não era importado, suas mãos eram calejadas e provavelmente tinha uma postura muito defeituosa. Seus seios eram médios e ela não parecia estar usando sutiã, pois eles estavam bem marcados no tecido.

Os cabelos eram ondulados como as curvas de uma estrada perigosa. Eram selvagens, não desgrenhados, mas eram bonitos e longos caindo pelas costas.

Sua boca era bonita, como era o seu nariz fino e também os seus olhos, mas seu olhar me causava uma sensação de raiva, era o mesmo olhar julgador do seu pai.

— Rafaella essa é a... — Daniel se aprumou para tentar apresentar, mas não conseguiu nem terminar a frase.

— Bianca — Completei sem precisar do seu intermédio esperando que a maltrapilha se aproximasse ao centro do escritório.

Se seu olhar me avaliava eu também saberia então somente alcei o queixo para parecer alguns centímetros mais alta e a encarei sem desviar os olhos. Ela o fez de volta, mas só durou alguns segundos, aparentemente ela era boa para observar, mas não abusada o suficiente para continuar se pega no flagra.

— Não vão se cumprimentar? Não é todo dia que se encontra uma parente — Daniel disse forçando uma euforia que não chegou nem a mim nem a morena que finalmente saiu da porta e tomou uma cadeira ao meu lado.

A família que herdei (Versão Rabia)Onde histórias criam vida. Descubra agora