Capítulo 4

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"O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui."

Willian Shakespeare

Bato na porta da nova casa em que minha prima está morando. Está um dia ensolarado e quente pra cacete. Adoraria uma bebida mas estou dirigindo. Olho ao redor do pequeno quintal mas não encontro uma ameaça iminente. Não demora muito para que a mesma abra a porta e sorria ao me ver.

A maternidade está fazendo um imenso bem para ela. Seu rosto está um pouco redondinho, ela usa um vestido rosa claro que destaca a sua redonda barriga e parece mais bonita do que nunca.

-A quanto tempo Amber.-Diz a mesma, ao fundo é possível ver Nikolai, que me encara atento antes de relaxar a sua postura. Ele sabe que eu não represento perigo para ela. Desde que ele descobriu que engravidou a minha prima, ficou mais possessivo do que nunca e sempre que os vejo, ele está na retaguarda dela. E pensar que antes ele a odiava por ter sido obrigado a se casar com ela que era uma estranha

-Vim me despedir e trazer um presente para as suas crianças.-Digo dando de ombros ao entregar a caixinha com dois conjuntos rosa todo bordado. Em cima dele está as chaves do apartamento em que eu ficava. A mesma pega o presente antes de me encarar com uma sobrancelha arqueada. Ela sabe do que eu vivo e sabe o que eu faço, então não preciso dar tantas explicações.-Itália.-Digo com um nó na garganta, desviando o olhar.

-Está indo por vontade própria?-Pergunta olhando todo o seu jardim. Aceno a contragosto.-Quanto tempo?-Pergunta me fazendo suspirar. Nikolai que estava de longe, se aproxima enquanto nos encara confuso.

-Chuto que alguns bons meses.-Ela suspira antes de me dar um olhar compreensivo.

-Te desejo uma boa viagem.-Diz me abraçando. A abraço de volta ainda sem jeito por conta de sua imensa barriga.

-Cuida da minha prima e desses nenéns até eu estar de volta.-Digo para Nikolai que bufa antes de revirar os olhos. Admito que hoje em dia aprecio sua companhia, pelo menos nos momentos em que preciso de um companheiro para encher a cara ou para treinar novos golpes.

Saio com um sentimento de pesar dali, triste por causa da possibilidade de perder o seu parto. Não me despeço de mais ninguém além dela, não sinto essa necessidade.

________

Há um envelope com todas as informações sobre o pai da mulher em minhas mãos e eu as avalio atentamente quando entro no avião.

Tento não pensar no fato de minhas mãos estarem suando e tremendo, e no fato de meu coração ameaçar a todo momento sair pela boca, assim como o rápido lanche que comi. Me amaldiçoo por ter um fraco por crianças em prantos. Se aquela menininha não tivesse me pedido em meio a lágrimas e eu não tivesse sido molenga o suficiente para aceitar, eu ainda estaria no conforto da minha casa, e não na droga de um avião indo para a droga de lugar que tento ao máximo evitar.

Suspiro ao guardar todos os documentos em uma pasta. Não vou conseguir me concentrar estando tão nervosa.

Peço uma garrafa de vodka e um copo com suco de limão a aeromoça que me encara surpresa. Quando a mesma acena com a cabeça e vai para pegar o meu pedido, inclino a minha poltrona, coloco um filme na pequena televisão e me enrolo com o cobertor disponível. Tem suas vantagens viajar de primeira classe.

Quando meu pedido chega, o abro e sem cerimônias bebo o líquido da imensa garrafa, logo em seguida bebendo o suco azedo do limão, que faz com que qualquer pensamento ruim se vá. Assim como os meus órgãos, mas isso não vem ao caso agora. Durante algumas horas do vôo peço algumas comidas leves, porém quando já é tarde da noite, me obrigo a dormir.

"Sua mão acaricia com carinho o meu rosto antes de compartilharmos o meu primeiro beijo, em meio ao frio congelante e na mortal escuridão daquela floresta, em uma situação deplorável, aquele puro gesto de carinho entre duas crianças despedaçadas, era nada mais nada menos que um consolo. Minha barriga doía de fome e meus músculos gritavam por conta da maldita exaustão, por causa das longas horas correndo, matando, mas ele estava comigo, eu o apertava cada vez mais forte em meu abraço desengonçado.

-Vamos sair daqui juntos mi gattina.-Engulo o nó em minha garganta ao encarar seus lindos olhos, eu sei dentro de mim que a chance de conseguirmos sair desse inferno juntos era mínima, eu queria dentro de mim realmente acreditar nisso. Me perder nessa ilusão de um futuro para duas crianças como nós, não pude evitar outra lágrima quando por fim deitei meu rosto em seu peito.-Vamos comer uma pizza muito gostosa que eu mesmo vou fazer, sem ketchup.-Rio em meio as lágrimas, lágrimas essas que a todo momento escorriam por meu rosto. O sol dava os seus primeiros rastros de luz para aquela gélida e fria floresta quando enfim saquei minha faca, quando em meio as lágrimas daquele quente e confortável abraço, eu enfiei a faca no peito da única pessoa que fora capaz de me fazer sentir algo além de ódio e medo."

Acordo ofegante e trêmula, todo o ambiente no avião ainda permanece escuro. Lágrimas ameaçam cair de meus olhos, mas não me permito chorar. Não em meio a tantas pessoas adormecidas. Pego a garrafa de vodka ao meu lado e dou um longo gole, não queima tanto quanto essa sensação em meu peito. Essa sensação de pesar, de culpa, de arrependimento, de dor.

Me lamentar não o trará de volta e mesmo se trouxesse, tenho certeza de que eu seria a última pessoa que ele iria querer ver.

Não consigo mais dormir, na verdade, tive medo de fechar novamente os olhos, tive medo dessa lembrança que a tanto me atormenta, voltar. Quando por fim dou por mim, já chegamos a primeira cidade de embarque. Em modo automático sigo pelo imenso aeroporto atrás das minhas malas, depois de pegá-las, parto direto para o centro de táxis, onde vou para um ponto de ônibus, com destino a Florença.

Descanso um pouco no confortável ônibus de viagem, apenas para ser acordada novamente por um pesadelo semelhante.

 Desejo Profano  (Trilogia Os Irmãos Lancelotti)Onde histórias criam vida. Descubra agora