Maura
Era o terceiro prato que acertava a parede em menos de dez segundos. Com sorte consegui me esquivar de todos, mas não do controle remoto que ela atacou assim que me distrai. Acertou em cheio na minha testa, a ardência foi imediata e meu primeiro impulso foi colocar a mão para saber se estava sangrando, o que era obvio, de cinco tentativas de me machucar minha mãe sempre acertava uma.
— Eu quero você fora dessa casa imediatamente! – Ela gritou enquanto jogava mais alguma coisa em minha direção.
Eu já estava acostumada com os ataques de histerias da minha mãe desde que vim morar aqui a três anos atrás. Os motivos para me maltratar sempre foram os mais diversos, desde um copo que não lavei até um grão de poeira sobre a televisão. Hoje o motivo é porque não passei na fuvest, como se ela se importasse. Estudar agronomia na USP sempre foi um sonho pessoal meu, a única coisa que era importante para ela era se eu estava viva e frequentando a escola para que não fosse necessário acionar o conselho tutelar, do contrário ela viveu os últimos anos fingindo que eu não existia, exceto quando era para me bater.
No início sofri muito, vim de um lar cheio de amor com meu pai e viver sob um caos me desestabilizou, mas desde que consegui um emprego pago terapia e passei a não ligar mais, esse show dela diz muito mais sobre ela do que sobre mim. Meu pai sempre foi transparente sobre minha mãe.
"Vilma não gosta de você, se gostasse estaria aqui. Ela é perturbada".
Hoje vejo que ele tem razão, ela é perturbada pra caralho.
Hoje é meu aniversário de dezenove anos e é esse o presente que eu ganho, uma louca me tacando pratos.
— Você tem uma hora para sair da minha casa! – Ela bate à porta ao sair.
No meu quarto enfio minhas roupas na mala sem me preocupar em dobrá-las. Como vou conseguir um lugar pra ficar antes de anoitecer? Pensei em ligar para Gustavo, mas deixo essa ideia passar, a gente só fica de vez em quando, não faz sentido eu passar uns dias na casa dele. Envio uma mensagem no grupo do trabalho perguntando se alguém sabe de alguém procurando colega de quarto. Não fico esperando a resposta, termino de guardar minhas coisas de qualquer jeito, debaixo do colchão pego minha pasta com todos os meus documentos e do meu pai. Antes de sair passo no banheiro e faço um curativo no machucado. Dou uma risadinha, ao pensar na minha mãe. Ela é louca.
No caminho para a estação Jabaquara dou uma olhada nos meus e-mails até achar o que estou procurando. Comemoro baixinho ao acha-lo. Passei com bolsa 100% em agronomia na Universidade Santo Amaro, é um curso EAD, mas é melhor que nada. Meu salário nunca daria para bancar uma faculdade mais renomada. De qualquer forma é o curso que me fará competente para cuidar das terras do meu pai.
O velho foi esperto demais, apesar de ter morrido repentinamente de um ataque do coração, ele tinha tudo planejado. Eu só teria direito a herança e as terras assim que eu me formasse na faculdade. Ele nunca exigiu que eu seguisse seus passos ou que fizesse algum curso especifico, tudo o que ele queria era que eu não parasse nunca de estudar. Em seu testamento ele deixou César, seu caseiro, cuidando da fazenda com salário pago até que eu me formasse, mas não para por aí. Ele me deu um prazo, tenho seis anos para me formar a partir do momento em que eu fizesse dezenove anos, do contrário tudo o que é meu por direito será doado a instituições.
Não é uma ideia ruim, talvez eu deixasse para lá, mas aquela fazenda sempre foi minha paixão. Sinto saudade dos meus animais, da minha cidade pequena e dos rodeios. Sei que aqui em São Paulo existem rodeios, mas nada se compara com os rodeios de Rio Verde. Não que eu tivesse oportunidade de conhecer os daqui.
Efetuo minha matricula on-line antes de descer na estação. Estou andando sem rumo. Hoje foi meu dia de folga no trabalho, meus colegas ainda não responderam então vou para a porta da empresa perguntar pessoalmente. Na pior das hipóteses hoje terei que dormir em algum hotel vagabundo.
Abro o aplicativo do banco, não tem muito dinheiro e se eu gastar com diárias em hotel não terei para o primeiro aluguel quando conseguir alguma coisa. Vou ser otimista, tem que dar certo.
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No Enlaço da Paixão
RomanceMaura nasceu e viveu a maior parte da sua vida em Rio Verde, em Goiás, mas depois da morte repentina de seu pai precisou deixar, aos dezesseis anos, a fazenda em que foi criada para se mudar para São Paulo e viver com uma mãe que não se dá muito bem...