XXI - As Marés

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- Eu tô horrível. Meu olho ficou roxo e inchado- Beatrice reclamou, mal conseguindo abrir o olho esquerdo.

- Se você andar só com o lado direito a mostra, dá pra disfarçar- Grimm comentou despreocupado ao lado da cama. - E cá entre nós, eu tô pior que você. Tive um nariz literalmente esmagado-

- A diferença é que eu não tenho um fator de cura que me permita recuperar um nariz- Ela retrucou.

- Ainda sim eu tô com a impressão que o nariz ficou meio torto- O jovem cutucou as narinas. - E você tem que admitir que um rosto feio não é sua maior preocupação-

- Rosto feio?- A garota franziu o cenho.

- Não tô dizendo que você é feia. Talvez manca ou aleijada, mas nunca feia- Grimm tentou a tranquilizar e recebeu só um olhar fulminante. Tocou com carinho na perna dela coberta pelo lençol, diziam que estava partida.

Os dois ficarem silêncio naquele quarto de Illuvendel. Era um aposento élfico bastante bonito e aconchegante. Suas paredes verdes tinham veios dourados que corriam por elas, o piso de tábuas estava polvilhado por objetos esquecidos por outros visitantes: capas surradas, armaduras antigas, moedas desgastadas e um elmo com asas.

Beatrice tocou na mão de Grimm mas não lhe direcionou o olhar.

- Enquanto eu segurava o demônio...ele olhou nos meus olhos. E começou a falar comigo...sabendo quem eu era. Me pressionou dizendo que o objetivo do Felagund era devolver a magia ao mundo...que o Usurpador seria derrubado-

Grimm ficou quieto e esperou que ela continuasse. Sua expressão já ficava tensa conforme ela falava.

- Ele disse que os elfos não precisariam continuar lutando contra Felagund, que isso seria uma batalha inútil. Se não vencessem naquele dia...milhares de criaturas viriam até pôr Illuvendel, Caer Medos e os Peregrinos de joelhos- Beatrice suspirou pesadamente, era como se o peso de séculos estivesse nas suas costas. - Eu imaginei cada elfo do meu povo...caindo pelas mãos daquele demônio. Deuses...eu nem consegui ferir ele de verdade-

- Vai querer ir contra todos os sábios do seu povo e se juntar a ele?- Grimm foi direto.

- Você mais do que ninguém deveria saber como anciões podem ser covardes- Beatrice agarrou com força a mão do rapaz. - A Dama do Lago... ela disse que eu teria a coroa mas com sangue, significa que meu pai vai morrer de forma sangrenta. E quando o demônio disse que os elfos seriam destruídos de vez...eu imaginei meu pai de joelhos perante uma criatura de olhos vermelhos-

Beatrice ficou quieta e Grimm permaneceu mudo. O garoto pensou em tantas coisas que poderia tentar falar mas era em vão. Ele mesmo não sabia o que faria no lugar dela.

- Você não tem resposta para isso, não é?- Uma lágrima solitária rolou pelo rosto dela. - Não adianta procurar uma resposta, Grimm. Eu não trocaria a chance de proteger o meu povo por nenhuma palavra bonita que tivesse-

- Nem se eu te prometesse que eu acabaria com Felagund?- Grimm com os dedos a fez encará-lo.

- Até os senhores élficos temem ele. Como você...?-

- Eu vou dominar o Fogo Secreto, virar um servo do fogo de verdade e eu vou enfrentar esse desgraçado. Eu vou derrubar Felagund de seu trono e vou levar ele ao chão-

Dessa vez, Beatrice ficou completamente sem resposta. Ela poderia ficar pregada ali a vida inteira se o tempo fosse bondoso, mas o soprar de trompas do lado de fora do palácio fez o garoto suavemente soltar a mão dela.

- Você vai voltar?- Ela perguntou, solícita.

- Eu juro- Grimm prometeu. No canto do quarto pegou Ignis e a prendeu na bainha, seguido pelo escudo redondo de metal.

As Crônicas de Terror e Encanto - 𝐈Onde histórias criam vida. Descubra agora