A Festa

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Ei Gabriel, você ainda se lembra da noite em que nos conhecemos?

Eu nunca me entendi muito bem, qual era o meu propósito, quem eu era de verdade ou o meu objetivo de vida, eu poderia dizer que a minha vida teria a fantástica trajetória do protagonista se isso fosse uma história de fantasia. Quando eu era criança sempre fui o menino chorão com meleca escorrendo do nariz e com medo da possibilidade de sempre me machucar, mágoas não somem simplesmente por que queremos, e nunca gostei de chorar, um dia eu acordei e quis mudar, ser alguém forte e independente, esse é quem eu queria ser, então, troquei a prática das lágrimas pela respiração profunda e interpretação dos meus problemas, se isso foi o melhor ou não, hoje eu não sei dizer, mas pelo menos eu posso resolver os problemas, sem dramas, apenas viver e ser feliz.

Eu me formei em enfermagem, talvez a minha construção e necessidade emocional me levaram a vida onde posso ajudar as pessoas, mas eu sempre gostei do que fazia. Não tinha muito tempo que eu havia chegado de um plantão do hospital naquela noite, quando eu acordei irritado com o barulho, eu só consegui olhar para o meu irmão e pensar como nada nunca parecia incomoda-lo, ele era um cara legal, às vezes meio idiota. Jorge era meu irmão mais velho hétero, sempre meio juvenil para a idade dele, nunca foi muito responsável ou parecia estar preocupado com alguma coisa, mas crescemos amigos, enquanto do seu lado do quarto tinha quadros e posteres de anime e jogos que não tenho ideia de quais sejam, meu lado tinha janela e era pintado de amarelo, essa sempre foi minha cor favorita. em algum momento posso ter pensando que ele devia me odiar por ter roubado o lugar dele como filho único e teria que dividir tudo comigo, mas independente de tudo, ele era meu irmão e eu amava ele.

O sono nunca foi algo fácil para mim, eu diria que tenho sono leve, qualquer possibilidade de incômodo ou barulho sempre me faziam acordar, então, quando eu não consegui mais dormir naquela noite, após alguns minutos eu pensei, "por que não?" um grande clichê, eu sei, mas difícil não fugir deles. Mesmo querendo muito dormir, eu gostava de festas, a vida noturna em si sempre me trouxe conforto, a forma como o mundo diminui sua interatividade e se aquieta até o ponto de estarmos em completo silêncio, eu chamo isso de paz. Diferente de festas, eu sei, mas quando você vê a luz néon e a possibilidade de estar em lugar onde você não consegue ver as pessoas direito e saber quem são, a liberdade de ser quem você é sem se preocupar com julgamentos, isso sempre me deixou feliz.

Uma regata preta gola alta por dentro de um short social preto, um coturno branco e um par de brincos de pérola negra, eu gosto de moda, era uma boa roupa para usar e definitivamente uma das minhas favoritas.

O Carlos era meu vizinho que morava ao lado de casa, ele foi um dos meus primeiros amigos na vida, ele sempre foi o hétero charmoso que as pessoas queriam seguir, a liderança para ele era algo natural, o atleta sempre descolado que as garotas viviam atrás, mas ele nunca deixou isso subir para a cabeça dele e continuava sendo um cara gentil. Era engraçado como nossas casas eram parecidas, No primeiro andar tinha uma garagem e uma escada que dava para o andar de cima, o portão não tinha uma chapa muito longa então era possível ver a escada e a porta do segundo andar. Um pouco depois de tocar a campainha ele apareceu, ele estava muito feliz em me ver, ainda não sabia se estava pronto para tanta interação antes de beber alguma coisa.

- Você veio! - Disse enquanto descia.

- Meio difícil dormir com tanta gente feliz por perto - Ele riu, eu me considero um cara engraçado, depois que ele abriu o portão e eu entrei, ele me abraçou como cumprimento.

- A galera já tá bem alegre, tem bebida na geladeira pode pegar.

- Eu acho que ainda consigo me enturmar.

Ele riu novamente.

No andar de cima ficavam todos os cômodos da casa, quando eu subi, ver a luz roxa neon não poderia me deixar mais feliz, não importava onde eu olhasse em algum canto haviam pessoas dançando ou falando muito alto, e algumas caídas no ombro dos amigos dormindo ou vomitando, mas na varanda, ao final do corredor, eu vi você, deitado no chão dormindo como se mais nada existisse no mundo, se alguém me perguntasse, eu não saberia por quanto tempo eu fiquei te olhando, nem porque você me intrigava tanto mas eu não conseguia tirar meus olhos de você, quando eu me dei conta, já estava indo até ali.

Aqueles seus olhos sempre tão vazios, impossíveis de serem lidos, apenas olhando para eles eu nunca saberia dizer se você estava feliz ou triste naquele dia, e mesmo assim, eram os mais lindos que eu já pude ver alguma vez, essa foi a primeira coisa que reparei quando cheguei perto e você acordou.

- Você tá bem?

Então veio, aquele maldito sorriso, a coisa mais linda que eu já vi, tão meigo e gracioso que fez meu coração palpitar, pelo meu corpo todo era possível sentir o nervosismo.

- Não pareço bem para você?

- Você tá dormindo no chão de uma festa, meio difícil achar que não.

- Eu tava cansado, precisava dormir um pouco.

- Um ótimo lugar para fazer isso.

Eu não sei quando percebi, mas eu sorria toda vez que dizia uma palavra para você, e você sentou encostado na parede, tão lindo, seu cabelo preto fosco, um rosto oval com pequenos fios crescendo no bigode igual um adolescente, alto, braços e pernas longos, por mais que não fosse forte, seu corpo era proporcional, uma blusa com estampa de praia e calça jeans.

- Você vai cuidar de mim então?

- Eu sempre ofereço ajuda para quem precisa.

- Senta aqui comigo.

Você disse de uma forma tão branda, nos encaramos por um instante mas eu cedi, sentei do seu lado e fiquei te olhando de canto.

- Quer uma bebida? - Deu para perceber que o copo já estava na metade.

- Valeu mas acabei de te conhecer, não vou beber do seu copo. - E o sorriso em seu rosto cresceu.

- Acha que coloquei alguma coisa?

- Você tava dormindo no chão, e eu prefiro cerveja.

- Então vai lá buscar, eu vou continuar aqui. - E foi o que eu fiz, quando eu voltei, você continuava no mesmo lugar, com aquele mesmo sorriso no rosto, fumando um baseado que havia acabado de bolar.

- Você quer?

- Não, tô de boa.

- Posso deitar no seu ombro?

- Pode.

No primeiro momento eu estranhei, mas você deitou, tão aconchegado como se fosse um bebe, eu achava que você ia dormir a noite toda do meu lado, eu invejava como nada daquilo podia te incomodar, mas era tão tranquilizante e bom que eu nem me importava, o seu perfume era tão doce e forte que eu senti medo de algum momento ficar excitado.

- Qual o seu nome?

- Theo e o seu?

- Gabriel.

- Por que eu não estou surpreso. - Eu ri.

- Como assim?

- Todo gay se chama Victor ou Gabriel. - E você riu.

- Eu gosto de Theo.

Eu fiquei tão feliz, será que você ainda se lembra Gabriel? Eu achei que você fosse dormir mas na verdade passamos a noite inteira juntos conversando, tudo que eu mais queria era poder voltar naqueles dias com você, uma pena que as coisas não acabaram assim.

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⏰ Última atualização: Apr 11, 2023 ⏰

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